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Imigrantes

Pedacinhos do mundo

Gente “de fora” forma a metade da população de Três Lagoas e turbina miscigenação

Há dois anos desembarcava em solo três-lagoense um casal vindo da Espanha. Ela é brasileira, morava em Três Lagoas, e deixou a cidade em busca de conhecimento em outras partes do mundo. Ele nasceu em Madri, na Espanha, e tinha muita vontade de estudar a língua portuguesa, como também desfrutar do que o país tem a oferecer. Por isso, resolveu vir para cá. Em meio aos estudos, nada mais justo o encontro de Juan Carlos Alvarez, de 43 anos, e Simone Salviano, de 35, que de uma simples troca de olhares se descobriram apaixonados. Mas, para que a felicidade fosse completa, Simone deixou Barcelona e Juan, Madri.

Juntos vieram para Três Lagoas, onde oficializaram o casamento.  “Tínhamos muita vontade de morar no Brasil e escolhemos Três Lagoas porque é uma cidade de crescimento e onde moram parentes de minha esposa”, resume Juan. Não foram, porém, apenas laços afetivos que trouxeram o casal para cá. O crescimento industrial e a expansão urbana também estavam nos planos que o casal sonhava em concretizar: um restaurante vegetariano.

Simone é adepta ao sistema há 12 anos e o marido, bem favorável ao estilo de vida saudável. E o novo negócio dá certo há dois anos.

Juan e Simone integram uma extensa lista de imigrantes que desembarcaram na cidade em busca de realizações e mudanças pessoais, que refletem diretamente na expansão do município. Todos de olho em emprego, renda, negócios e qualidade de vida.

Com 117 mil habitantes, segundo o IBGE, metade da população é formada por imigrantes e migrantes. Depois da chegada em massa de europeus, sul-americanos, orientais e cidadãos do mundo árabe, no século passado, hoje a maior comunidade de novos estrangeiros, por aqui, é formada por haitianos. São cerca de 600 atualmente, que encontraram trabalho, estabeleceram famílias, têm até uma igreja e se misturam entre os “três-brasileiros-lagoenses” sem serem notados. Igualmente, chineses e coreanos dominam parte do comércio popular. Uma parcela pequena, mas que tende a crescer. Os laços da cidade com a China aumentam à medida que a maior parte da celulose produzida nas fábricas daqui é consumida por chineses lá do outro lado do mundo.

Mas, não é só. A Três Lagoas também agrega americanos, finlandeses, poloneses, argentinos, paraguaios, sírios e senegaleses, entre outros, como refugiados que procuram meios de viver em paz por aqui. São pedacinhos do mundo que formam a população três-lagoense. Tudo isso sem contar argentinos, uruguaios, paraguaios, colombianos, bolivianos e pessoas de todos os países da América do Sul – sete deles com fronteira seca com o Brasil, sendo dois, Paraguai e Bolívia, com Mato Grosso do Sul.

Absolutamente introduzidos no cenário e na vida da cidade, sobrenomes “famosos”, como Tebet, Kawai, Congro, Mancine, Müller, Newman, Falco, Thomes, Yamaguti, Jarouche, Arão, Salomão, Pholl, Otsubo, Coimbra, Andries, Zaguir e Rimoli, entre muitas outras.

Segundo dados colhidos pelo historiador Rodrigo Pedroso Fernandes, que também é diretor municipal de Cultura, mineiros, paulistas, cariocas, catarinenses e nordestinos contribuem com essa miscigenação e a formação sociológica da cidade, numa alteração estrondosa da “cultura pantaneira” que ainda persiste na região mais ao norte do Estado. “São brasileiros que também buscam melhorar de vida por aqui”, afirma.

Vindos ou não de terras vizinhas, estrangeiros ou nacionalizados, esses “forasteiros” introduzem suas culturas, tradições, gastronomia, língua, a valorização familiar e até a formalidade no tratamento ao mundo dos nativos. Já não é de hoje que se aprecia vinho, champanhe, carpaccio, puchero, tabule, temaki, fast food, sukiyaki e dúzias de outros pratos e bebidas trazidas de outras nações para a cidade, além de hábitos como fumar narguilé, usar cachecol e praticar rugby. Também se estuda o Alcorão, fala-se alemão e há adeptos de cosplay. A novidade é apreciar músicas coreanas e aprender o idioma.

O retrato disso é de uma cidade multinacionalizada, multiética e polo de miscigenação industrial. Atração certeira quando o assunto é emprego, negócios, dinheiro, o que provocou uma explosão nos últimos 10 anos, com a chegada de milhares de pessoas de inúmeros lugares.

Mas, talvez, nem haja novidade. “Estamos falando de um cenário que sempre fez parte de Três Lagoas. Há 103 anos, os primeiros a chegar foram imigrantes que, naquele momento, vislumbravam a pecuária. Depois, o segundo processo de formação da comunidade foi proporcionada pela chegada dos trens, da ferrovia. Atualmente, é a industrialização que faz esse papel”, relatou Rodrigo Fernandes. “E muito mais ainda deve ocorrer, neste sentido, com o desenvolvimento industrial da cidade”, prevê.

Neste contexto miscigenado, vale inserir a população flutuante, que vai e vem por conta da oferta de empregos – cerca de 20% do total de moradores estimado pelo IBGE. Diariamente, sem sazonalidade alguma, a cidade recebe dúzias de pessoas que desembarcam por aqui também em busca de atendimento médico especializado, além das múltiplas ofertas do comércio, de prestadores de serviços e de órgãos públicos regionais. Na cidade funcionam a matriz de empresas que semearam filiais por cidades sul-mato-grossenses e também por outros Estados. Entidades de classe mantêm na cidade o comando regional de suas atividades e os governos fizeram daqui um pivô central de suas principais autarquias para concentrar o controle.

A miscigenação promovida por gente de fora é comprovada por outro fator. Nos últimos dez anos – período que se chama de “boom” industrial – pouco mais de 19,6 mil pessoas nasceram no município. O número é alto em comparação a municípios brasileiros de porte médio, mas passa raspando pela metade do crescimento populacional do mesmo período.