Veículos de Comunicação

Opinião

A ponte mudou

Leia artigo da jornalista e professora Fernanda Iarossi, publicado na edição deste sábado do Jornal do Povo

Não dá mais para passar por cima da Usina Jupiá em Três Lagoas devagar, seja para observar a imensidão do rio Paraná, o segundo maior rio em extensão no Brasil – são mais de 4 mil quilômetros entre Goiás, onde nasce, até desaguar no rio da Prata, entre Argentina e Uruguai –, ou por causa do limite de velocidade imposto pelas regras do Código de Trânsito Brasileiro. A ponte “mudou de lugar”.

Desde setembro, o motorista que precisa atravessar a divisa de Mato Grosso do Sul e São Paulo (ou vice-versa), entre Três Lagoas e Castilho, agora tem outra visão da Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, construída nos anos 70.

A barragem de 5.495 metros de comprimento e a eclusa, que possibilita a navegação no rio Paraná e a integração hidroviária com o Tietê (que nasce na cidade de Salesópoles – 22 km do oceano Atlântico e a 96 km de São Paulo – e deságua nas águas caldulentas do Paraná), agora são vistas de outro ângulo pela nova ponte que desafoga o trânsito sobre a estreita pista simples do antigo trajeto sobre o rio.

Curiosamente depois de dias de estrear nos “1,344m de extensão com mais 6,4 km de rodovia de acesso (2,6 em MS e 3,8 em SP)”, de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que entregou a obra de R$ 117 milhões que começou a ser construída em dezembro de 2011, me deparei com um livro organizado pela professora Cremilda Medina da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) com histórias do rio Tietê, que percorre mais de mil quilômetros desde a Serra do Mar até encontrar-se com o Paraná.

Entre as narrativas que colocam o rio que ficou conhecido muito mais pela poluição ao cortar a capital paulista como protagonista da história do povoamento e crescimento do Brasil (notadamente o Estado de São Paulo onde ele tem a maior parte do seu curso), há o resgate da mitologia indígena que percebia estes trechos de água como elemento purificador do terreno e dos espíritos. O que me fez indagar: ao mudar a vista do rio Paraná com a nova ponte será que esta função mítica das águas também pode se alterar? Foi entranho ver o rio de um ângulo diferente, cortado pela imenso paredão de concreto que abriga as turbinas e os geradores da usina quase cinquentona que garante a energia elétrica para abastecer uma cidade com aproximadamente 5 milhões de habitantes.

Tomara que as águas do Paraná continuem purificando os mais de 100 mil habitantes da cidade fundada em 1915. E que esta mudança no ângulo de um dos cartões postais da conhecida Cidade das Águas, por motivos de logística ou reorganização do tráfego rodoviário, não mude a ação das divindades indígenas.

*É jornalista e professora universitária.