Veículos de Comunicação

Opinião

REFLEXÕES SOBRE A MERITOCRACIA SOB O PRISMA DA SOCIEDADE

É comum, em nossa sociedade, depararmos com expressões, dentre outras, como: “Estude para ser alguém na vida”

*Tony Lucas Vieira dos Santos 

*Neide Yokoyama 

É comum, em nossa sociedade, depararmos com expressões, dentre outras, como: “Estude para ser alguém na vida”, “O seu sucesso só depende de você”, que confirmam a suspeita de que existe, embutida na mente das pessoas, uma doutrina pautada no mérito, responsável por regular as relações sociais e econômicas.

Com a reestruturação produtiva, em meados da década de 1970, o modelo neoliberal, para benefício próprio do sistema de capital, acrescentou novos atributos ao perfil ideal do trabalhador e firmou o preceito de que a qualificação o habilitaria para a empregabilidade, uma vez que a ausência de competências técnicas por parte do indivíduo seria a principal causa do desemprego.

No neoliberalismo, a transferência das obrigações do Estado para a sociedade, responsabilizando-a pelas suas próprias mazelas, evidencia a ideologia meritocrática – termo que foi cunhado por Michael Young, em 1958, no livro O levantar da meritocracia –, que se apresenta como base de sustentação da lógica neoliberal. Para os defensores da meritocracia, é a competitividade rege a sociedade, uma vez que existe uma infinidade de necessidades humanas em meio a recursos limitados. Dessa forma, a sociedade encarrega-se de premiar os indivíduos que se demonstram mais capazes, ou que se “destacam” em meio aos demais, contrapondo-se ao coletivo e enaltecendo o individualismo.

Analogamente, os meritocráticos creem que exista igualdade de oportunidades para todos os indivíduos e que o sucesso dependeria, em maior parte, do esforço de cada um. Posto isso, a razão para um cidadão não ascender economicamente na sociedade seria a sua própria incapacidade e falta de talento ou qualificação para uma determinada ocupação. Essa cultura, quando superficial, torna-se, todavia, paradoxal. Segundo o livro The Meritocracy Myth (MCNAMER; MILLER, 2004), a ideia de que os recursos da sociedade são distribuídos, sobretudo, com base no mérito individual é um mito, tendo em vista uma série de fatores denominados “não meritocráticos”, que se apresentam como impeditivos de uma política baseada no mérito puro: herança, vantagens sociais e culturais, oportunidades educacionais desiguais, sorte, além da estrutura flutuante das oportunidades de emprego, declínio do emprego por conta própria e discriminação em todas as suas formas. Do mesmo modo, a preocupação com a distribuição de bens escassos leva as organizações a orientarem suas decisões sobre pessoas de acordo com suas competências ou impactos nos objetivos estratégicos do negócio. E, neste caso, a percepção das pessoas sobre a justiça distributiva torna-se um dos principais fatores intervenientes na qualidade do ambiente organizacional porque elas questionam esses critérios diferenciadores e o grau com que suas habilidades predominam, em detrimento dos aspectos políticos, pessoais e credenciais.

Portanto, é necessário que se estabeleça, entre os defensores e opositores dessa filosofia, um diálogo mais aprofundado sobre esse tema, a fim de superar essa visão superficial e limitada. Uma visão que muitas vezes desconsidera os inúmeros fatores históricos e culturais determinantes para o estabelecimento das distintas classes sociais e das desigualdades daí provenientes disto, que podem ser vistas de forma bastante clara em nosso próprio país, permitindo um maior entendimento de como a sociedade gera comportamentos e resultados.

Importante ressaltar que, para se implantar uma meritocracia plena em todas as esferas da sociedade e acabar com os apadrinhamentos e a acomodação das pessoas, esse diálogo deve ser articulado da perspectiva contingencial, uma vez que a alteração de valores está entre as contingências que influenciam a sociedade. Um diálogo orientado pela perspectiva adaptacionista produziria medidas paliativas e resultados inócuos diante dos conflitos, porque aquelas não atuarão nas reais causas dos problemas. Ao contrário darão continuidade a esse quadro desalentador de injustiças, discriminações, segregações e inversões de valores, que transformam a meritocracia em mais uma forma de exploração do indivíduo, em uma falácia.