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Opinião

O voto em questão

Passadas as eleições municipais, o foco das análises já começa a se dividir entre os resultados das urnas e as deficiências do sistema eleitoral, tema recorrente nos debates sobre a qualidade da representação popular nos poderes Executivo e Legislativo.

Entre pontos relevantes, há um aspecto que logo de início causa preocupação. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, dos 138,5 milhões de brasileiros aptos a votar, 22,8 milhões sequer foram às urnas. Do restante, 3,8 milhões votaram em branco e 9 milhões optaram pelo voto nulo para prefeito.

Portanto, entre abstenções, brancos e nulos, quase 36 milhões de cidadãos, ou 30% dos eleitores, não concordaram em participar da escolha dos prefeitos e vereadores de seus municípios – exatamente aqueles representantes cujas decisões afetarão mais de perto suas vidas nos próximos quatro anos.

Note-se que o volume das omissões vem aumentando de eleição a eleição, o que reforça a urgência de se pensar numa reforma política que valorize a representação popular e elimine as distorções que desestimulam o eleitor a confiar em candidatos apontados pelos partidos.

Fica cada vez mais evidente a necessidade de se promover uma profunda reformulação da lei eleitoral, nitidamente obsoleta e alheia às aspirações do eleitor.

Alguns pontos a serem revistos já não são sequer passíveis de discussão entre os brasileiros mais responsáveis e com o olhar voltado para os interesses maior da sociedade: o fim do voto obrigatório; a criação de cláusulas de barreira que permitiria a depuração do número excessivo de partidos políticos, pois exigiria um percentual mínimo de 5% do total de votos para a Câmara dos Deputados a fim de que o partido tenha funcionamento e direito à distribuição do fundo partidário, bem como participação no tempo da propaganda partidária; a redução do mandato de senador para quatro anos; a extinção da figura do suplente; a exigência de um mínimo de conteúdo programático das candidaturas e dos próprios partidos; o mau uso do horário eleitoral (que não é gratuito, como muitos pensam, mas são compensados com isenções fiscais às emissoras, portanto, com dinheiro público).

Esses são apenas alguns aspectos da desejável reforma política. Embora muitos duvidem de sua viabilidade, alegando que os congressistas provavelmente não aprovariam uma lei que prejudica parte deles, nós preferimos acreditar que, tanto na Câmara Federal quanto no Senado da República, há um número suficiente de legisladores sérios, éticos e aptos a dar prosseguimento ao saudável saneamento da cena política, iniciada com a Lei da Ficha Limpa.

*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas