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No mesmo barco

Depois das revoltas de junho, entramos numa fase de calmaria. Até quando? Essa é a questão. Estamos sem aparelhos medidores adequados da temperatura social. Até então, tínhamos pesquisas, indicadores de confiança, índices de otimismo e pessimismo, que, reunidos em tabelas clássicas, possibilitavam uma leitura da realidade. Com isso, havia certa previsibilidade do que poderia ocorrer lá na frente. Com base em dados objetivos, muitos apostavam inclusive na reeleição de Dilma, apesar das turbulências econômicas.

Agora o quadro está meio nebuloso. Há certa aflição nas várias esferas de poder, muitos temendo exatamente novas surpresas vindas das ruas. Será que a massa voltará à cena de repente, radicalizando algumas pautas, subvertendo a lógica dos profissionais do jogo político? Incógnita. O inesperado provoca tensões permanentes. Os fatores que estão na base das desigualdades sistêmicas da sociedade brasileira cada vez mais serão expostos como elementos de uma crise permanente. E essa crise se tornará mais aguda na medida em que não há soluções visíveis para ela sem a quebra da espinha dorsal do modelo que nos sustenta.

Esse paradoxo colocou em xeque o governo do PT. É visível o desespero da presidente da República. Daí suas propostas atabalhoadas para desviar-se do olho do furacão com anúncios de medidas estapafúrdias, tentando jogar no colo do Congresso Nacional simulacros de reforma política como maneira de desviar a atenção sobre a síntese das manifestações da massa: menos corrupção, melhores serviços públicos e menos acordos político-partidários esdrúxulos.

O Congresso blindou-se humilhando Dilma como nunca antes na história deste País. Em vários momentos a presidente teve sua autoridade literalmente moída. A coisa foi tão séria que até os segmentos esclarecidos da opinião pública (a maioria de opositores do Governo) ficaram penalizados com o massacre político de Dilma. Não somente pelas vaias comumente recebidas em suas aparições episódicas, como pelas maledicências de seus próprios parceiros e aliados, que não tem escondido o prazer de ver a chefe do Executivo sangrando em praça publica.

A queda vertiginosa nos índices de popularidade de Dilma ainda é um fenômeno em curso. A argumentação do PT é que esse desmonte é algo passageiro. O raciocínio que fazem para consumo geral é de que em 2005, com o escândalo do Mensalão, Lula sofreu um revés parecido e recuperou-se magistralmente. Daí que a queda de prestígio da presidente tem um caráter circunstancial.

À medida que a névoa das manifestações se dissiparem ela estará de volta ao topo. Na lógica petista esse vaticínio tem o mesmo valor do desejo de qualquer cidadão em ganhar na mega-sena. Ou seja: depende da sorte.

Não há nada que garanta que a história vá se repetir. Mesmo porque, na época em que o Governo Lula mergulhou na sua mais profunda crise, não houve manifestações nas ruas. A massa acompanhou a sucessão de escândalos sentada na poltrona, dividindo-se emocionalmente entre a indignação e o escárnio. Tudo ficou restrito ao espetáculo degradante. Depois, com a economia crescendo e a marquetagem bombando, Lula e o PT ficaram protegidos pela inércia, conseguindo inclusive eleger um poste chamado Dilma.

Neste momento, qualquer pessoa minimamente informada, sabe que não é possível aplicar a mesma fórmula do passado para interpretar os cenários futuros. Não houve apenas um escândalo. Na verdade, houve o transbordamento de todos os escândalos concentrados num dado momento histórico. Desta vez, nem haverá uma economia vitalizando o "esquecimento" coletivo muito menos jogada de marqueting com credibilidade suficiente para inserir verdades relativas no contexto para o convencimento de grandes contingentes eleitorais.

O quadro atual é muito mais complicado. Temos uma presidente fragilizada, um ex-presidente popular (mas envolvido além do limite em suspeitas de corrupção), uma oposição extremamente cautelosa, algumas lideranças avulsas sem muita consistência, um judiciário sendo observado intensamente e uma massa crítica querendo respostas rápidas para problemas que podem levar até séculos para serem resolvidos.

Como se diz, estamos todos no mesmo barco. Não há muitas opções à vista para uma mudança repentina nas estruturas que aí estão fumegando ao ponto máximo de fusão. Por isso, quem está no mastro está ficando cada vez mais nervoso. Pois o fato de não estar acontecendo nada por enquanto revela que algo já aconteceu e ninguém ainda percebeu direito o que exatamente é.

*Dante Filho é jornalista e escritor (dantefilho@terra.com.br)