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Opinião

A dificil arte da convivência

Viver significa conviver. Conviver com outros e principalmente conviver com diferentes. O outro é sempre um diferente. Ninguém é igual a ninguém, mesmo quando existem as afinidades. Cada um é uma individualidade e, como diz John Donne, em sua meditação 17, “nenhum homem é uma ilha inteiramente isolado”.

Se não somos uma ilha e não podemos viver inteiramente isolados, significa que precisamos repartir nossas vidas com outras pessoas. Mais do que precisamos, somos obrigados à convivência. Os parâmetros de saúde apontam a socialização como dado de normalidade. O isolamento é tido como indício e indicador de que algo não está indo bem.


No processo de convivência, repartimos a companhia, as experiências nas mais diversas situações do dia-a-dia, desde as agradáveis e prazeirosas até as desagradáveis e dolorosas, trocamos afetos e sentimentos, nos tornamos mais humanos. A humanidade é algo latente no seres racionais. Pode se desenvolver ou não e também pode se desenvolver em maior ou menor grau, ou seja, podemos ser mais ou menos humanos. E essa humanidade só se desenvolve no contato com os nossos semelhantes, nos processos de interação constante. Um exemplo de algo que compõe a nossa humanidade é a fala: possuímos, ao nascer, um aparelho fonador, e a fala em potencialidade; se não houver uma estimulação adequada por meio da convivência com outros seres humanos, onde a criança vai ouvir e ver os outros falando, num aprendizado pelo exemplo, não vai desenvolver sua fala, ou se a desenvolver, será de modo precário. Com os afetos e sentimentos, acontece a mesma coisa. O que não for desenvolvido, tende a se atrofiar.


Essa convivência a que estamos fadados não se dá de modo calmo e pacífico. Inúmeros conflitos resultam da convivência, já que a centralidade da vida humana é dominada pelo desejo.


Freud constatou em suas pesquisas que o desejo é totalmente inconsciente e inexplicável e surge da uma instância psíquica que ele denominou de Id, o eu mais profundo. Desejamos e não sabemos por que desejamos. E, como tudo o que é inconsciente, não temos nenhum controle. Contudo, apesar de não controlar o desejo, podemos controlar as nossas ações, por meio de outra instância psíquica denominada Superego (ou Supereu), responsável pela interiorização das normas de convivência social, funciona como um censor interno. O desejo é inconsciente e sem controle, o que fazemos desse desejo é possível e deve ser controlado, tanto para o bem coletivo como para o individual.


E é exatamente por ser o desejo tão central na vida humana, que esse desejo se torna o elemento tensional de conflitos entre os indivíduos, já que os desejos podem ser antagônicos, opostos e contraditórios. Desejar algo que não se tem é normal, acontece com todos, já que ninguém tem tudo o que deseja e quer. O problema surge exatamente nos meios para se realizar esse desejo, para se conseguir o que não se tem.


Nesse sentido, a sociedade moderna está enferma. A ausência de um Superego capaz de limitar as ações que ferem o bem-estar social é responsável pela gama de condutas anti-sociais, criminosas e violentas que ferem as pessoas na base de seu ser: a própria existência, sua integridade física psíquica e de seus entes e seus bens.


Ao longo do desenvolvimento da humanidade, a sociedade foi engendrando valores capazes de garantir sua sobrevivência convivência, valores esses que devem pautar as condutas e ações humanas. O objetivo a se atingir é o bem-comum. Para isso, alguns princípios se impõem, como o respeito, a igualdade, a solidariedade e a responsabilidade, dentre outros.


Um olhar cuidadoso para o ser humano e sua constituição e formação, respeitando a organização familiar e o processo educacional, pode resultar numa mudança radical tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. É de fundamental importância que se proteja a família em cada um de seus membros, como prevê a Constituição Federal, e que se não descuide das instituições basilares da sociedade, principalmente a escola, que é a auxiliar mais importante da família na formação do ser humano.
 
*Adailson Moreira é psicólogo, advogado e professor da UFMS de Três Lagoas