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Quebra do sigilo de 200 mil pessoas causa espanto

Só conheci os tempos de ditadura pelos livros e se os escolhi com precisão, temo pelo tempo que estamos vivendo. Sento-me para esse exercício depois de assistir ao programa Roda-Viva em que o entrevistado foi o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, e confesso, como fiz na segunda linha, estar com muito medo.

Que querem os jornalistas? Que quer nosso povo? Pergunto-me depois de falar com quatros amigos de faculdade ao telefone (três advogados e um juiz) sobre se não seria uma boa idéia irmos morar na Faixa de Gaza. A proibição de um chopinho ao final da tarde no convenceu de ficar. O cerne do discurso embutido nas perguntas, um só: precisamos prender os juízes corruptos para moralizar a Justiça brasileira. Até aí louvores desmedidos. Tirantes os corruptos, quem será contra?

Preço a se pagar: que os direitos individuais sejam dirimidos diante do interesse público e assim se poderia admitir que não juízes, mas sim agentes administrativos (os conselheiros do Conselho Nacional de Justiça não são juízes, pois não exercem função de juiz) pudessem devassar as contas bancárias, e depois, por óbvio, grampear telefones.

Já me manifestei sobre a necessidade de se julgar juízes às portas abertas. Já me manifestei violentamente contra qualquer pregação de autoritarismo de ditos juízes, verdadeiros facistóides. Tenho horror de qualquer proteção institucional retrógrada que nos remonte aos tempos imperiais, como sigilo processual em casos de funcionários públicos. Ou agentes políticos, como preferem.

Agora, admitir a quebra de sigilo por alguém fora de suas funções e competências jurisdicionais, ou seja, enquanto não exerce o cargo de juiz de direito, e mais, admitir a quebra do sigilo de mais de 200 mil pessoas é de causar espanto, pavor e lágrimas.

Em outubro estive na Alemanha. Visitando o museu da Stazi (a temida polícia da Alemanha Oriental) não imaginei que veria (como disse, não vivi a ditadura) o abominável método aqui no Brasil. Não imaginei que o Big Brother se tornaria fonte do direito, maldito programa xerocopiado dos métodos das polícias secretas européias. Até tortura há, mas não contra os observados e sim contra os que observam.

Alguém precisa explicar aos operadores do direito e jornalistas que o cidadão que atropela uma pessoa embriagada durante a madrugada, e que portador de uma carteira de juiz de direito é tão somente um cidadão que atropela uma pessoa embriagada durante a madrugada e que, por acaso, é portador de uma carteira de juiz de direito. Juiz de direito, a não ser que pegue seus patins e saia dando rodopios na sala de audiência, não atropela ninguém.

Esse câncer (com perdão os tumores) impregnado em todos, da cultura das autoridades e de carteiras funcionais, do ser e não estar, de coronéis e desembargadores aos moldes de Chico Anysio, portanto caricatos (ainda há muitos), tem gerado confusão ainda maior que nossas complicadas leis. Grandes jornalistas, no programa citado, não entenderam nada do que o ministro explicou, não só pela forma extremamente erudita do último, mas porque são conhecedores de conceitos equivocados e que estão impregnados em nossa população. Esse é um outro grande problema.

Conversemos com calma. Troquemos idéias e informações para que operadores do direito e jornalistas comunguem juntos das idéias de liberdade e em contrapartida, de retidão do poder público. Fomos os que mais sofremos com os tempos sombrios.

Rememorando

Primeiro o Habeas Corpus e a necessidade de decepá-lo para o “bem da sociedade que espera uma Justiça célere”. Agora a quebra de sigilo que só juízes exercendo a função poderiam fazê-lo “por alguém bastante popular no seio da sociedade”. A quebra de mais de 200 mil sigilos de forma indiscriminada, angariando 2 milinformações a serem explicadas, mas por outro lado violando direitos de 198 mil outras pessoas, nos levará a uma só coisa, que confesso, conheci pelos livros: A publicação de receitas de bolo e não de notícias.

(*) Thiago Anastácio é advogado criminalista e associado do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)