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A Europa e a mala que nos encanta

A crise na Europa, que recentemente viveu a iminência da ruptura e ainda respira incerta quanto ao futuro de sua União e do Euro, expõe um dilema próprio do mundo globalizado: como conciliar leis, direitos consolidados, normas internas, tradições, interesses e mesmo deficiências nacionais com um sistema produtivo, financeiro, de comércio e de serviços que funciona em rede e desconhece fronteiras? Como assegurar a integridade de uma Nação, de sua Constituição e cidadãos, de sua economia e patrimônio, frente ao imperativo dos interesses do mercado de capitais?

Vinte e seis países europeus selaram acordo para adaptar suas respectivas constituições a um receituário austero e evitar a quebradeira generalizada do sistema financeiro. Remédio amargo, que deverá demandar longo período de ajustes e recessão. No Brasil, que tem conseguido superar (e razoavelmente bem) os impactos das crises americana e europeia desde 2008, o impasse que se origina deste conflito entre os interesses nacionais e a lógica global parece ainda não nos dizer respeito; passa ao largo dos fundamentos que movem preocupações, decisões e estratégias governamentais. No entanto, ele está também entre nós, e cedo ou tarde deixará sequelas difíceis de serem resgatadas ou curadas.

É o caso da situação esquizofrênica vivida pela indústria nacional, que parece apenada simplesmente pelo fato de existir. Não importa que responda por quase 30% de toda a produção da riqueza brasileira, que em 60 anos se estruturou para tornar o País autossuficiente em bens de produção e de consumo, e teve papel primordial para a transição do Brasil rural ao urbano ou ainda na própria industrialização do setor agrário. Nada disso parece servir como mérito para que receba prioridade quando da definição de nossas estratégias econômicas.

Pelo contrário, ainda vivendo o resquício da cultura da colonização, permanecemos condescendentes com aqueles que vêm de fora, beneficiando-os com isenções ou omissões tributárias e reservando os sacrifícios à ala doméstica. As autoridades econômicas dão mostras de não se importar que nossos bens recolham pelo menos 37% de tributos para adquirir o direito de serem comercializados entre nós, tampouco os próprios consumidores. Costumamos nos servir ou alimentar sonhos de consumo por malas “by Germany”, por exemplo, e com isso movimentar uma rede de indústrias de acessórios distribuída pelo Japão, França, República Tcheca e outros, enquanto o empreendedor brasileiro faz uma verdadeira corrida diária de obstáculos para manter seu negócio em pé, equilibrado e com perspectiva de futuro.

Senão vejamos: das áreas federal, estadual e municipal sobressaem compromissos e obrigações diárias, quinzenais, mensais e anuais que precisam ser atendidas, devidamente pagas e comprovadas, em nome de impostos, contribuições e taxas diversas. As empresas brasileiras destinam pelo menos um terço de cada ano para o atendimento a essas obrigações, o equivalente a 108, 3 dias de trabalho, contra 56 dias da média mundial, conforme levantamento realizado pelo Banco Mundial e a PricewaterhouseCoopers em 2007.

E quando surge uma nova lei que promete desonerar a indústria, a mesma surge eivada por distorções, que às vezes acentuam a carga em lugar de aliviá-la. Temos comprovado, por exemplo, por meio de estudos, que a Lei 12.546/2011, que surgiu como promessa do atual Governo Federal em diminuir as contribuições previdenciárias patronais das empresas de tecnologia da informação, calçados, confecções e móveis, traz armadilhas perigosas. Aqueles que destinem mais de 10% de seu faturamento para a quitação da folha e das contribuições trabalhistas irão pagar ainda mais encargos pelo novo regime.

A rota de obstáculos é complementada pela informalidade, pela dificuldade de acesso à tecnologia e a insegurança jurídica, dado que as decisões surgem para o atendimento a questões e demandas pontuais, descoladas de um projeto mais duradouro e estratégico e, muitas vezes, caso da Lei 12.546, portadoras de inaceitável desconhecimento da realidade das próprias indústrias. O caso da Europa deveria servir para o governo acender a luz de emergência e passar a cuidar estrategicamente do setor produtivo nacional, encerrando esse longo ciclo – muito característico entre nós – de o país permanecer na superfície dos problemas e optar pelo remédio temporário em lugar da cura.
 
*  José Chapina Alcazar é empresário contábil e presidente do SESCON-SP – Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo e da AESCON-SP – Associação das Empresas de Serviços Contábeis; presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio SP.