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Opinião

O [sic] da questão

O festival de grampos da Polícia Federal nos jogos vorazes do contraventor Carlinhos Cachoeira revela bem mais que um gigantesco esquema de corrupção, tráfico de influência, tentáculos e malfeitos. As gravações desnudam uma mazela nacional: estamos vivendo tempos analfabetos no universo político. Poucas vezes vimos tão baixo nível de comunicação entre a bandidagem engravatada.

O bicheiro, o empreiteiro bilionário, os deputados e senadores, os governadores, os ministros de Estado e da Suprema Corte e até a Presidência da República estão dificultando o trabalho jornalístico. Poucas vezes foi tão árduo o trabalho de compreender e transcrever os diálogos das supostas autoridades nacionais. Nunca antes na história desse país, parafraseando obliquamente o eminente Dr. h. c. mult. Luiz Inácio Lula da Silva, o “[sic]” ganhou tal protagonismo.

Assim os atuais bandidos do colarinho branco se comunicam: “Bão? [sic]”, cumprimenta o bicheiro; “Bão, sô! E ocê? [sic]”, responde o senador; “Tô bão demais! Os ministro vai tirar aquele trem lá? [sic]”, questiona o contraventor; “Ô, se vão! Já falei com o ministro e ele consegue tirar uns três bilhão! [sic]”, responde o parlamentar; “Agora nóis destrói tudo! As pessoa tudo tão animada na empreiteira! [sic]”, comemora o bicheiro; “Ô benhê! Pede o jatinho emprestado pra nóis ir pra Aruba! Lua-de-mel, benhê! Ocê prometeu! [sic]”, ouve-se a voz de mulher ao fundo; “Xá comigo! [sic]”, responde, retornando ao interlocutor: “A muié tá torrando meu saco quessa história de lua-de-mel! Agora o trem vai ter que subir! [sic]”.

São oito frases e a necessidade explícita de mesmo número de “[sic]”. Para piorar, diante de tal agressão à sintaxe, o ouvinte tende a considerar arrogância quando dois senadores da República adequadamente alfabetizados, como o alagoano Fernando Collor e o mato-grossense Pedro Taques, travam uma disputa verbal. Em recente reunião da CPMI do Cachoeira, foi visível o corre-corre dos parlamentares em busca de um dicionário quando o ex-presidente Collor os chamou de “confrades” e o ex-procurador Taques afirmou que aquela Comissão não poderia ser “passiva”. Seus pares, mamateiros sexomaníacos e de excelentíssima masculinidade, bradaram pelo “Artigo 14 do Regimento”, em busca de um direito de resposta.

O escritor e crítico literário Émile Henriot (1889-1961), imortal da Academia Francesa, disse algo emblemático em sua penúltima obra publicada, “Au Bord du Temps” (1958): “A cultura é aquilo que permanece no homem quando ele já esqueceu todo resto”. Vivemos hoje a maior tragédia de um povo: permitimos uma aliança poderosa entre a falta de cultura e a impunidade. São ignorantes conduzindo ignorantes nos trens da história e nenhuma eficácia legal que os alcance. Não por acaso, já é senso comum no Brasil a intangibilidade da punição para os corruptos.

O “[sic]” da questão é prova inconteste do triunfo da ignorância. Reservamos as tribunas de honra da pátria aos ignóbeis. E, como não veremos, tão cedo, os canalhas nacionais no xilindró, oremos ao Judiciário que eles sejam condenados a estudar, a adquirir mínima cultura. Tragicomédia brasileira do século 21, a pior punição às “neoautoridades” será civiliza-los. Que sejam obrigados a ter algum conteúdo, já que esqueceram todo o resto.

HELDER CALDEIRA
Escritor, Jornalista Político, Palestrante e Conferencista