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Os picaretas do apocalipse

A luta pela preservação do meio ambiente tem nobreza. É correta, abrange largos interesses sociais, tem apelo público e vem, com o tempo, se ajustando às demandas contraditórias que se lhe apresentam. Por onde se olha, é difícil se colocar na vertente contrária do arcabouço geral das ideias e conceitos que representam os diversos modelos de ambientalismos existentes na atualidade. Mesmo assim, não custa lembrar: trata-se de um negócio como outro qualquer.

Voltemos no tempo: em meados dos anos 70 esse assunto – a ecologia – começou a ser veiculado com maior ênfase. Era o rescaldo do movimento da contracultura dos anos 60 e também uma válvula de escape de quem desejava protestar contra o capitalismo, mas tinha medo de ser confundido com a militância de esquerda, num momento em que o País vivia o período mais radical da ditadura militar.

Assim, misturando Darwin com a obra fundamental de Thoreau (“A Vida nos Bosques”), com pitadas de Marx , Marcuse etc., o ambientalismo sedimentou-se como espaço de atuação pública, sem o vezo das ideologias tradicionais, possibilitando assim que muitos pudessem endurecer sem perder a ternura.

Nos anos 80, um passo importante foi dado na Alemanha. Nasceu o Partido Verde (PV), elegendo membros no parlamento que defendiam exclusivamente causas ambientais, motivando muita a gente a pensar que um dia a ecologia tomaria o poder.

Era tudo muito confuso. Ninguém sabia qual era o pensamento político dessa gente: eles negavam um alinhamento à direita e à esquerda. Propagavam um anticapitalismo meio frufru. Havia muitas divisões internas. Havia também muita gente maluca. Mas como era uma tendência nascente, ampla demais, o establishment tolerou, mesmo porque não se mexia um milímetro na base da guerra fria.

Nesse tempo, a União Soviética começava a desmoronar e Chernobyl mostrou que em matéria ambiental o chamado socialismo real não era exemplo a ser seguido. É engraçado: superada a fase do medo de um mundo bipolar (no qual se acreditava que uma hora alguém jogaria uma bomba nuclear no outro, e vice-versa), em seguida surge um novo temor a rondar nossas cabeças: o aumento da camada de ozônio.

Foi assim que, no começo dos anos 90, na ausência de um assunto relevante que mobilizasse o planeta, ficamos sabendo que corríamos um novo e grande perigo. Utilizando instrumentos de medição avançada de tecnologia de satélites (portanto, manipulável por aqueles que formatam a sua base de dados) cientistas diversos nos deram conta de que a camada de ozônio estava se ampliando e que a emissão maciça de CO2 na atmosfera estava prestes a desencadear o famoso efeito estufa.

No processo de disseminação da cultura do medo essa questão ganhou espaço assombroso. E tudo que assusta, gera dinheiro. Reparem: não é coincidência demais o fato de que após a derrota do comunismo o mercado passou a dominar o ambientalismo, com a vantagem de embalá-lo numa capa elegante de sentimento anticapitalista?

Dessa forma o movimento verde robusteceu-se e milhares de ONGs e entidades esotéricas foram criadas para atender a demanda crescente dessa nova religião acadêmica. Em seguida surge a ideia da implantação da política de crédito de carbono e da chamada economia sustentável. Noutras palavras, os picaretas do apocalipse se juntaram aos picaretas da sustentabilidade, formando uma aliança para ganhar muito dinheiro.

Até agora, está dando tudo certo. Defender florestas e insetos, biomas e mananciais hídricos, bagrinhos e pererecas, é uma coisa bacana; combater a fumaça poluidora, o lixo urbano, os produtos transgênicos, produz uma pose chic e engajada.

Tudo isso, enfim, tornou-se um negócio milionário que conta com a adesão de grande público de quase todas as idades. Seminários, Congressos, Encontros Técnicos, feiras mundiais, reuniões com chefes de Estado, livros, sites, blogs, cadernos especiais – tudo isso tornou-se um nicho de mercado com alto padrão de empregabilidade e profissionalização, contra o qual não há que se falar, mesmo sabendo que se trata de campo promissor para todo o tipo de oportunismo imaginável.

Nada contra o esforço para tornar o mundo melhor e mais respirável. O problema é que o ambientalismo transformou-se em pouco mais de trinta anos naquilo em que tudo se transforma desde o primórdio dos tempos: “business”. Por isso, não se espantem: o mundo verde será sempre uma ideia na cabeça e um aparelho de telefone celular na mão. E vamos torcer para que a ciência continue avançando para limpar a sujeira que a humanidade continuará fazendo, até o momento em que tudo se transformar em poeira estelar e luzes opacas a vagar no espaço vazio pelos próximos bilhões de anos que ainda temos pela frente.

Dante Filho é jornalista