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?Terremotos? brasileiros

Impossível não ficar consternado diante das tragédias que se abateram sobre o Chile e o Haiti. Os terremotos resultaram em destruição, ceifaram dezenas de milhares de vidas. Famílias soterradas, cidadãos que, sobreviventes, quase se matam pelo alimento que a ajuda humanitária tenta distribuir em meio ao caos.
O Brasil comparece. Comida, água, dinheiro e militares seguem em socorro dos irmãos. O governo faz a sua parte, e o seu alarde, pois esse auxílio é amplamente propalado.
Não há como objetar essa louvável iniciativa. Mas é difícil não pensar nos ‘terremotos’ que abalam diariamente a vida de milhões de brasileiros. Os terremotos da falta de emprego, de teto, de atendimento digno à saúde, de educação decente, da falta de assistência a órfãos e idosos; da juventude deixada nas ruas.
As chuvas recentes que por aqui destruíram cidades inteiras, fazendo desmoronar casas, pontes e viadutos, se comparam a verdadeiros ‘terremotos’ na vida de milhares de famílias, igualmente soterradas, ilhadas, impossibilitadas de ir e vir, pois a estrada cedeu, a ponte caiu, o aeroporto fechou. Famílias igualmente sedentas e famintas. Brasileiros que pagam IPTU e outros pesadíssimos tributos.
Não se trata, aqui, de uma demonstração pública de egoísmo ou indiferença às agruras enfrentadas por outros países. Todavia, não foi por acaso que nos ensinaram a “amar ao próximo como a ti mesmo’. Sem equilíbrio, o amor não prospera. É a história do cobertor curto.
Enquanto o governo envia recursos para fora, parcela significativa do povo brasileiro continua sem acesso a saneamento básico e vive em áreas de risco, invadidas sem qualquer dificuldade. Afinal, é fácil fiscalizar o que é legal. É simples impor às edificações formais exigências de legislações elitistas e deixar que ocupações clandestinas, que põem em risco a vida das pessoas, prosperem impunemente.
Os colaboradores e membros da Fiabci/Brasil detectam com clareza tais antagonismos e, com o privilégio da visão internacional que têm sobre critérios urbanísticos, procuram colaborar da melhor forma possível nos projetos que norteiam a vida nas cidades brasileiras. Mereciam ser ouvidos.
O governo brasileiro agora empresta ao Fundo Monetário Internacional como se por aqui não houvesse dívida interna nem necessidades prementes no campo da infraestrutura.
Na área da educação, a situação é igualmente crítica. Comprovamos isso diariamente com os alunos que fazem os cursos do Projeto Ampliar; jovens a partir dos 16 anos em evidente situação de risco social; jovens que, diante da oportunidade, trocam as ruas e o tráfico de drogas por uma iniciação profissional, pois querem exercer seu direito à cidadania, com um lugar no mercado de trabalho, com a chance de empreender.
O Brasil também precisa de socorro, precisa de recursos, de bons projetos. O brutal aumento de arrecadação via impostos não se reflete no cotidiano de todos nós. Noticia-se que a dificuldade do governo federal para gastar o dinheiro público criou um caos orçamentário no Brasil.
Afirma-se que, além da falta de capacidade para gastar, o governo precisa cumprir metas de superávit fiscal, e que cada orçamento anual aprovado não passa de peça de ficção. Talvez seja por isso que o PAC anda ‘empacado’. Talvez seja mais fácil direcionar recursos para o Haiti e o Chile, fazer pose para o mundo e dar as costas para o País. É claro que temos de auxiliar chilenos e haitianos. Entretanto, é igualmente claro que temos de auxiliar os brasileiros vítimas das enchentes, das colheitas perdidas, das ausências sentidas em vários aspectos sociais. 
 
Maria Helena Mauad é presidente da Associação Paulista Projeto Ampliar