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Entrevista

Estudo inédito na Saúde traça perfil da comunidade pantaneira

Voluntários reúnem dados sobre o risco de câncer e o rastreamento de casos na população que vive no Pantanal de MS e MT

pesquisador > especialista em oncologia, José Márcio Barros Figueiredo -
pesquisador > especialista em oncologia, José Márcio Barros Figueiredo -

Profissionais da saúde voluntários têm ido com frequência ao Pantanal levar atendimento multidisciplinar aos moradores das fazendas e ribeirinhos. O grupo realiza uma expedição batizada de “Alma Pantaneira”, uma das poucas ações de saúde voltadas para as comunidades de baixa renda que vivem na região pantaneira nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. 

Recentemente, uma parceria com o Instituto do Câncer Brasil (ICB) desenvolveu uma pesquisa a campo com essa população para traçar um perfil epidemiológico e avaliar os riscos de câncer nessas comunidades e propor medidas ao poder público. Nós conversamos com um dos responsáveis por esse trabalho, o oncologista e diretor técnico do ICB, José Márcio Barros Figueiredo.

Quais foram os principais resultados desse estudo até agora e como é formada essa rede de voluntários?
José Márcio  – A Alma Pantaneira é uma expedição formada não somente por médicos, mas profissionais de diversas áreas da saúde, como dentistas, fisioterapeutas, veterinários, zootecnistas. É uma ampla rede que leva saúde à população do Pantanal, com apoio da marinha, exército e entidades filantrópicas. Qualquer pessoa pode ajudar no trabalho dessa instituição, podendo ser um doador, porque tudo é fruto do voluntariado.  Nós tivemos achados extremamente interessantes. Esse estudo foi publicado no Congresso Americano de Oncologia, que ocorreu agora em junho, em Chicago, nos Estados Unidos.  É o maior congresso do mundo na área da Oncologia e foi o primeiro estudo a mostrar dados epidemiológicos da população do Pantanal. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica do Instituto do Câncer Brasil e durante a expedição nós coletamos dados de voluntários para entender exatamente os fatores de risco dessa população. Encontramos pontos muito interessantes que nos chamaram a atenção.  Primeiro, no que tange as características da população em si do Pantanal, 70% da população se autodeclara parda, 10% negra e 15% branca. Uma esmagadora maioria de homens na população do Pantanal, 60%, enquanto mulheres, em torno de 40%.  E é uma população jovem, uma faixa etária entre 20 e 41 anos. Então esse é o primeiro dado.  Olhando os fatores de riscos clássicos de câncer na população, nos chama muito a atenção porque mais da metade da população do Pantanal, pasmem, está com sobrepeso ou obesidade.  E isso é um fator de risco clássico, obesidade grau 1, que é o IMC acima de 30%, sobrepeso IMC acima de 25%.  E isso é um fator de risco clássico para diversos tipos de tumores. Então devido à mudança de estilos de vida e principalmente o alto consumo proteico nessa população e de gorduras e tudo mais, essa população, por mais que ela faça atividade física, o sobrepeso também chegou no Pantanal. O sobrepeso e a obesidade foi um achado que nos chamou muita atenção.

A gente imagina que s pantaneiros tenham uma alimentação melhor a de quem vive na cidade, onde se come muito produto industrializado, e no pantanal muito se come à base de peixe. E não foi isso o que vocês encontraram? 
José Márcio  – Infelizmente não foi.  E é importante destacarmos que a expedição Alma Pantaneira, liga os dois estados, saindo de Cuiabá e chegando até Corumbá, percorrendo mais de mil quilômetros.  Passando pelas fazendas do Pantanal, pontos específicos de atendimento com programação pré-agendada e comunidades ribeirinhas.  Então a gente não tem só a população ribeirinha. E há no Pantanal um alto consumo de proteína.  O Pantanal é um dos maiores produtores de gado do Brasil e essa população, culturalmente, tem o hábito da alimentação também com carne vermelha e não só peixe. O homem pantaneiro, que faz o seu trabalho, a lida diária, com gado, com a pescaria, queima caloria, mas não é necessariamente uma atividade física regular. Então, nós encontramos essa taxa de sobrepeso e obesidade que nos preocupa, pois a obesidade causa um estado inflamatório crônico que está associado a diversos tipos de câncer.  Não é à toa que a doença mais prevalente nessa população foi a hipertensão arterial. Quase  25% dos entrevistados tinham hipertensão e 3% diabetes, que são claramente doenças correlacionadas ao aumento de peso e também são fatores de risco para câncer.  Um outro achado que nos preocupou muito foi que quase 40% da população no Pantanal é tabagista ativa.  Outra situação que chama a atenção é que boa parte dessa população tem o hábito de consumir  bebida alcoólica com uma certa regularidade.  Então, esses foram os achados de dados epidemiológicos que mais chamaram a nossa atenção. E, no que tange prevenção primária, ou seja, aquela onde a gente quer atuar para prevenir o câncer, atuando na mudança de estilo de vida, há uma grande oportunidade em relação a isso. Quando a gente vai analisar os dados de rastreamento, chama muita atenção e gera muita preocupação porque infelizmente a população do Pantanal não tem acesso a exames de rastreamento de doenças. Hoje está muito em voga a gente falar de sustentabilidade, defender o ecossistema, mas não há preservação no Pantanal sem preservar e cuidar da saúde do homem pantaneiro, que é o principal foco da expedição ao homem pantaneiro.  Para você ter ideia, entre as mulheres, apenas 65% delas, com mais de 25 anos, fizeram o exame de Papanicolau, um exame simples que previne o câncer, que faz o diagnóstico precoce de câncer do colo do útero.  Então nós não temos esse rastreamento para essa população.  Quando a gente olha a mamografia, também os dados são muito baixos.  Nós vamos divulgar a análise completa dos dados  no final do ano, porque esse estudo continua e vamos avaliar uma série de casos ao longo dos anos. Quando a gente olha os homens, apenas 42% desse público, acima de 45 anos, fizeram o toque retal ou o exame de PSA para o rastreamento de câncer de próstata.  E quando a gente vai analisar câncer de intestino, que a gente viu recentemente muitos artistas passando por tratamentos sérios, o Pelé inclusive, nosso atleta do século que infelizmente faleceu da doença, menos de 6% da população, seja homem ou mulher, fizeram uma colonoscopia acima dos 45 anos, que seria indicação.  O que chamou também atenção é que 12% da população no Pantanal tem como fator de risco o histórico familiar para câncer, seja em parentes de 1º e 2º grau. E a grande dificuldade, o grande ponto do estudo, é levantar dados, porque sem dados a gente não faz planejamento estratégico e não propõe políticas públicas de saúde.

Mas a partir desses dados, quais serão os próximos passos? Vocês vão propor ações ao poder público?
José Márcio  – O Instituto Alma Pantaneira, junto com o Instituto do Câncer Brasil, está fazendo um relatório técnico para ser apresentado tanto para a Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso, como de Mato Grosso do Sul, também em seus respectivos municípios, com uma série de sugestões simples, no nosso entendimento, para implementação de políticas públicas de saúde voltadas para essa comunidade. Por exemplo, identificar essas 45 mil pessoas que vivem na região do Pantanal, seja ribeirinha ou nas fazendas, para que quando elas vão até a cidade,  o que ocorre com pouca frequência, elas não entrem na fila do Sistema Único de Saúde para fazer o seu exame. Elas já sejam previamente identificadas, uma enfermeira navegadora, por exemplo, e elas têm esse agendamento prévio.  Então, com isso, a mulher consegue fazer a mamografia, consegue fazer o seu Papanicolau, o homem consegue fazer os exames preventivos, isso é uma política simples e de fácil de gerenciamento. Outro ponto, que todos os municípios da planície devem ter, por exemplo, é uma unidade básica de saúde, especificamente voltada à essa população. Lembrando que nós estamos falando de dois estados do país, de cidades como Corumbá, Miranda, Aquidauana, Bodoquena, Cáceres, Poconé. Então, é muita gente envolvida, que necessita de uma unidade básica de saúde, especificamente para atender, não exclusivamente, mas para atender essas pessoas de forma direcionada. Temos que cuidar dessa população, afinal são brasileiros que também pagam impostos, que estão ali num ecossistema que é admirado pelo mundo inteiro. Nós precisamos  que as autoridades  responsáveis estejam junto  conosco, cada vez mais,  para fazer  a diferença para quem precisa.