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Apedeuta e o senso comum

A manifestação e ascensão das esquerdas latino-americanas incomodam enormemente os grupos que detêm o poder econômico, principalmente os metidos a policiais do mundo. Para eles, convém manter a maior parte da população na ignorância, contentando-se com pouco. A sobrevivência tem sido a recompensa de um povo que transpira para ganhar a vida.
O presidente venezuelano Hugo Chávez rejeitou a escolha do estadunidense Larry Palmer para o cargo de embaixador na Venezuela e acusou o governo de Barack Obama de "assassino", "irresponsável" e "golpista". O mandatário latino-americano não poupa palavras e atitudes que visam a posicionar seu país no lado da autonomia decisória.
Os Estados Unidos poderiam voltar-se ao problema do aumento do desemprego e da violência em seu território em vez de sangrar nações indefesas. Nota-se, porém, que a política exterior deste país é prioridade, uma vez que a opressão a países mais fracos é requisito para o bem-estar interno.
São raros os governos que desafiam a ordem mundial capitalista, que se fundamenta na reprodução de um modelo de desenvolvimento concentrador e insustentável, inimigo da decência. Os poucos que se atrevem a contradizê-lo são chamados de loucos, ditadores, guerrilheiros ou terroristas. E o povo repete esta fórmula que nem papagaio.
Dilma Rousseff recebeu, em período de propaganda eleitoral, calúnias de todo tipo. Correios eletrônicos de deboche circularam no tempo em que paradoxalmente se estigmatizou seu nome como "guerrilheira" que pegou em armas contra a opressão ignominiosa da ditadura militar.
Os valores corromperam-se tanto no Brasil que já não se define mais o limite entre apedeuta e o senso comum, duas caras da mesma moeda. Cidadãos tupinicas apressaram-se em escolher seus candidatos a fim de se livrar do fardo da obrigatoriedade do voto e seguir suas rotinas.
A capacidade manobrista dos grandes poderes estabelecidos é tanta que a oposição ao "milagre econômico" da ditadura militar é pecaminosa, coisa de comunista. A luta contra a ditadura militar, período de covardia e afronta aos cidadãos de bem, e o exílio de centenas de intelectuais transformam-se em razão de desmerecimento de personalidades. Que esperar deste país?
Um dos fatores, contudo, que deslocam a candidata Rousseff do campo das esquerdas latino-americanas é a migração de sua militância da luta revolucionária ao "capitalismo pragmático". Esta negociação justifica a inserção de lutadores das causas sociais num quadro político que dispõe de pouca mobilidade. Em outras palavras, o candidato vitorioso nas eleições terá o dever de administrar a máquina estatal instituída com a diligência de não afetar interesses de grupos poderosos, que governam de fato por trás de qualquer personalidade carismática.
O panorama no Brasil é bem pessimista: convocam-se pessoas que não sabem o que fazer com seu poder de voto às urnas eletrônicas ao mesmo tempo em que os grandes meios de comunicação selecionam para os debates os candidatos que terão melhores condições de administrar a engrenagem que já está estabelecida e exclui outros que oferecem mudanças consistentes.
É praticamente um consenso entre as esquerdas latino-americanas que o Estado deve-se responsabilizar pelos serviços que garantem a melhora de qualidade de vida da população em contraposição à iniciativa privada. Ao longo do tempo, a própria sociedade criará mecanismos para saciar a demanda por serviços comunitários e o Estado se torna desnecessário. Falta corrigir a tendência de acomodação que corrói a categoria de servidores públicos.
Colômbia, Peru e Bolívia são os três maiores produtores de cocaína no mundo. É alarmente o dado de que o narcotráfico representou em 2009 de 1,5% a 3% do Produto Interno Bruto da Bolívia e movimentou de 300 a 700 milhões de dólares.
O tráfico de entorpecentes é um negócio execrável e deve ser abolido com todo vigor, assim como o comércio de armamentos. A América Latina, no entanto, acaba inserindo-se no mercado internacional em função do que dispõe para incrementar a renda de seus países e atender à economia.
É preciso rever a prática cidadã, os programas de governo e a inserção da América Latina no mundo antes que se anule a diferença entre apedeuta e senso comum.

Bruno Perón é bacharel em Relações Internacionais