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Aborto, bafafá e politicagem

A campanha eleitoral embolsou tom polêmico no momento em que o aborto entrou em cena. Até parece que o pavor da dominação é a obsessão religiosa que voltou. O aborto é um velho tema que ressurgiu. Creio não ter solução, já que uma parte dos membros da Igreja não abrem mão de ser contrários a tudo e a todos que tocam no assunto. Por sinal, até a Igreja vive problemas relacionados à área da sexualidade. Lembro aqui das centenas de casos de pedofilia envolvendo membros de igrejas, porém a impressão que temos é de que a sujeira foi empurrada pra de baixo do tapete. A sensação de impunidade prevalece!
O aborto entrou nas discussões eleitorais sendo guiado pelas opiniões e imposições alicerçadas nos argumentos de cunho religioso, de hipocrisia e de falsa moral. As causas e as consequências do aborto perderam espaço. O tema ficou desfocado, sem o caráter técnico-científico, educativo e social.
Aliás, os argumentos que se instalaram na fala de cada candidato e têm sido reproduzidos na mídia são frutos da imposição religiosa de uma instituição ainda arcaica e atrasada que parece estar vivendo no período da Idade Média. Na história, a Igreja aparece como dominadora e impositiva para manter-se no centro do poder. A dívida social que as igrejas, particularmente a Católica, têm com a humanidade é grande, em especial no Brasil do período colonial.
Vindo para a atualidade, li na Folha de São Paulo (13-10-10): “Braço da CNBB distribui panfleto anti-Dilma a fiéis”. Ainda o mesmo jornal, em 17-10-10, traz a matéria “Diocese encomenda panfletos anti-Dilma”, onde revela que Kelmon Luís Souza, católico ortodoxo desde setembro, encomendou 20 milhões de panfletos a pedido da Mitra Diocesana de Guarulhos. O site do jornal afirmou, em 16-10-10, que a encomenda foi feita por Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos. Na edição do dia 18-10-10, o jornal divulgou que “Gráfica de tucana fez panfletos anti-PT”.
Não generalizo que todas as igrejas e fiéis tenham esta ou aquela posição, que apóiem esse ou aquele candidato, mas talvez seja necessária uma mudança de atuação e de pensamento da instituição Igreja. E pergunto: Por que os “religiosos” envolvidos não se mobilizaram em defesa dessa posição contrária ao aborto antes do período eleitoral? Por que não defenderam essa posição junto aos candidatos a deputado federal e senador, já que são eles que legislam? Talvez isso não trouxesse tamanho bafafá? Só espero que o dinheiro que pagou os panfletos não seja fruto do dízimo dos fiéis.
Imposição não tem ligação com democracia. Quando instituições religiosas são contestadas logo contra-atacam dizendo que isso é coisa de satanismo. Essa eleição virou um “Sermão da Montanha”, embora devesse estar pautada na educação, saúde, segurança e trabalho/renda. O aborto é uma questão de educação e saúde pública, e não apenas tema de discurso religioso. Hoje é notório que todos os dias morrem mulheres no Brasil, especialmente das classes mais baixas, em razão de procedimentos clandestinos de aborto.  Pesquisas apontam que é extremamente alto o índice de mulheres adultas que já realizaram um aborto induzido. Destaco ainda que, num país continental como o Brasil, há diferenças regionais quanto a essa prática.
O artigo de Antonio Carlos de Almeida Castro (Folha de São Paulo, 15-10-10) afirma que: “cerca de 1,1 milhão de abortos clandestinos são feitos todo ano no Brasil; a cada dois dias, uma mulher é morta ao fazer aborto clandestino; pelos dados do SUS, o que faz presumir que o número seja muito maior, são 200 mortes por ano. […] O fato concreto é que uma em cada cinco brasileiras de até 40 anos já abortou e mais de 5 milhões de brasileiras já passaram por esse trauma”.
Debates existem para trazer problemas e soluções. Há um ditado que diz: “o que não tem remédio, remediado está”. Acredito que a grande maioria dos fiéis, para assuntos relacionados a sexo, não segue os ideais defendidos pela Igreja, ou seja, os padres e os bispos não têm o poder de convencimento para esse assunto. Diria que os fiéis preferem seguir os capítulos das novelas, e não os sermões das missas. Hoje tudo nos remete a sexualidade. A própria Folha de São Paulo de 21-09-10 (Caderno Eleições) mostrou que, “em busca do voto, candidatos usam sexo para atrair atenção”. A sociedade perdeu a guerra contra a sexualidade!
Medidas amenizadoras seriam bem vindas como a utilização de métodos anticoncepcionais, mas a Igreja é contraria. A falta de políticas públicas e de informação eficaz visando prevenir a gravidez indesejada prevalecem.
Em vez de panfletar e pregar contra o aborto, sugiro aos envolvidos com essa politicagem que entrem no século XXI e cobrem dos candidatos e políticos já eleitos a ética, o respeito aos eleitores, que são seres humanos. Abandonem a Idade Média, vejam que as drogas já destroem famílias; que a pedofilia cresce assustadoramente; que a violência mata inocentes; que a educação está deseducada; que a saúde está doente; que boa parte dos políticos são corruptos; que nosso sistema prisional não recupera ninguém. Enfim, vivemos, neste século, inúmeros problemas que são invisíveis aos olhos do fanatismo religioso.
Crer em Deus não é dizer amém para as igrejas; elas são compostas de seres humanos, não perfeitos, sujeitos a erros, a adoração e busca pelo poder.

Marçal Rogério Rizzo é Mestre em Economia e Doutor em Geografia