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ARTIGO: O Pantanal é nosso e é hora de a sociedade assumir sua posse

Por Marco Eusébio, jornalista e assessor de imprensa da Seccional da OAB-MS

(Por Marco Eusébio, jornalista e assessor de imprensa da Seccional da OAB-MS)

A recente escolha de Cuiabá (MT) pela Fifa (ou pela CBF) como sede de jogos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil na região “pantaneira” reascende o debate sobre a mudança do nome do estado de Mato Grosso do Sul para Pantanal já que dois terços deste estão em território sul-mato-grossense. Trata-se de um ecossistema com 250 mil km² de extensão situado no sul de MT e no noroeste de MS, no Brasil, além de englobar pequena parte do norte do Paraguai e leste da Bolívia (lá chamado chaco) e considerado pela Unesco como Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera. O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Geograficamente localiza-se no centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área brasileira é de 138.183 km², com 65% de seu território no estado de MS e 35% no MT. Não é um pântano como o nome pode sugerir. É, na verdade, uma planície pluvial irrigada por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai, cujo ciclo interminável de cheias e secas é a fonte perene de vida a fauna e flora de rara beleza, influenciada por quatro grandes biomas de vegetação – amazônica, cerrado, chaco e mata atlântica.


Mas deixemos a geografia de lado e passemos ao lado prático da polêmica que envolve este que é um dos mais novos estados da Federação e que até hoje busca sua real identidade tentando se desvencilhar de uma vez por todas do cordão umbilical que o liga ao antigo Mato Grosso. O principal obstáculo neste sentido tem sido o nome do estado, através do qual se torna quase impossível desvincular um do outro. Fonte de polêmica, o nome Mato Grosso do Sul é constantemente ignorado Brasil afora já que nos principais grandes centros brasileiros, onde estão sediados as principais redes nacionais de TV, revistas e jornais de circulação nacional, a mídia não consegue dissociar o MS de MT.


Essa eterna troca de nomes pelos “estrangeiros” é explicável (embora, no caso de profissionais de imprensa, que têm mapas e até a internet como ferramenta prática de consulta à disposição, seja intolerável). Para o cidadão comum, numa conversa informal, entretanto, fica difícil, estando em São Paulo, ou, pior, no Paraná, chamar de sul um estado que, principalmente no caso dos paranaenses, está localizado ao seu norte. Talvez este seja o principal motivo de o único outro estado brasileiro a ter sul como sobrenome seja aquele dos pampas gaúchos localizado exatamente no extremo-sul do país. Afinal, abaixo, ou ao sul dele, não há mais Brasil. E note-se que, mesmo assim, os gaúchos não fazem questão, ou melhor, raramente chamam seu estado de Rio Grande do Sul, principalmente quando estão em sua própria terra. Tradicionalmente tratam seu próprio estado como Rio Grande, inclusive em suas músicas e em outras manifestações culturais.


Enfim, se o nome Mato Grosso do Sul não é o mais adequado, porque foi esta região assim batizada? A resposta é pelo mesmo motivo em que até hoje se discute sem chegar a um consenso uma possível mudança deste mesmo nome: a disputa política. Acontece que durante o processo que culminou na divisão do MT uno e gerou o novo estado, durante o regime militar, três senadores biônicos (como eram chamados por não serem eleitos, mas escolhidos pelo presidente general de plantão) disputavam o direito de governar o estado que nascia em 1977. Eram eles Pedro Pedrossian, Antônio Mendes Canale e Rachid Saldanha Derzi.


Embora todos integrassem o mesmo grupo político, a Arena, havia uma divisão entre eles, como essas disputas internas que ocorrem hoje em todos os partidos. Em outubro daquele ano foi sancionada a lei que dividia o estado do Mato Grosso, surgindo, a partir de janeiro de 1979, o estado do Mato Grosso do Sul, com Campo Grande como capital e um governador nomeado. Pois bem, se apenas dois desses três senadores chegassem a um acordo, um deles apoiasse outro, este seria o primeiro governador do novo estado. Pedrossian, que já tinha a experiência de ter governado o MT uno, chegou a ser indicado. Mas Mendes Canale, que também cobiçava o trono, participou do movimento que vetou esta indicação. Acabou que o governo militar, que não poderia esperar pelo tal consenso dos grupos arenistas locais. E resolveu nomear o então presidente do extinto DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), o gaúcho Harry Amorim Costa, o que não agradou a nenhum dos grupos locais.


Aconteceu que Pedrossian aliou-se a Saldanha Derzi para denunciar Harry Amorim Costa ao general presidente João Figueiredo, acusando o gaúcho de distribuir benesses em cargos públicos para minar as lideranças tradicionais do estado. Defenderam a saída do governador nomeado indicando para seu lugar o então prefeito de Campo Grande, Marcelo Miranda Soares. É necessário lembrar que toda essa disputa política havia começado antes mesmo da divisão, o que, obviamente, acabou impedindo um consenso sobre a escolha de um nome ideal para o estado, o que ficou, à época, em segundo plano. Isso significa aquilo mesmo que você está pensando: que o nome de Mato Grosso do Sul acabou escolhido de afogadilho diante da briga interna que não permitia um batizado de bom senso para o estado embrião que estava por vir à luz da emancipação político-administrativa.


E foi, de novo, a disputa política e interesses pessoais que, duas décadas depois, se tornou o principal motivo de a primeira proposta oficial de mudança do nome do novo estado para Pantanal ter sido rejeitada. Acontece que a idéia foi sugerida pelo então governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT. E isso desagradou, obviamente, seus principais adversários. Na época, um dos maiores líderes que se opôs à proposta foi o hoje saudoso senador Ramez Tebet (PMDB). Com sua inconteste influência, fez campanha contrária e convenceu lideranças e, principalmente, a opinião pública de sua cidade, Três Lagoas, e dos demais municípios da chamada região do Bolsão, de que estes não nasceram na região do Pantanal e, portanto, não poderiam admitir ser chamados pelo gentílico de “pantaneiros”.


Homem inteligente, o qual tive o prazer de entrevistar e conversar algumas vezes, Tebet sabia que juntamente com o Rio de Janeiro e Amazônia, o nome Pantanal é uma das três marcas brasileiras mais conhecidas quando se fala de Brasil no setor turístico internacional. Eu que sou natural de Santo André – o A da região do grande ABC da megalópole paulistana – uma espécie de paulistano agregado, e com muita honra e prazer radicado em Campo Grande, confesso que teria orgulho de me ser um genuíno pantaneiro, ou, mesmo ser, como sou, um “pantaneiro adotivo” por opção. Sei que São Paulo, embora sendo uma das principais metrópoles do planeta, não se compara em termos de grife turística ao nome Pantanal. Hoje não é preciso ser culto e inteligente como Ramez Tebet para chegar a essa conclusão. Qualquer criança pode acessar os sites internacionais de turismo das principais cidades européias ou norte-americanas e procurar informações sobre o Brasil para ver o destaque que se dá à grife Pantanal e perceber o fascínio que este nome exerce sobre os gringos.


Pois foi justamente a importância intercontinental que tem a grife Pantanal o critério que a Fifa adotou para ter uma sede de jogos da Copa de 2014 nesta região. Entretanto, embora o Mato Grosso concentre apenas 35% da planície alagada, a capital do estado vizinho acabou escolhida como sede. E qual foi o critério? O critério político. Ou seja, Mato Grosso do Sul perdeu um jogo que estava ganho. Além de ser, de fato e de direito, o estado que representa o Pantanal, é aquele que preserva a conservação ecológica da região. E é fato registrado diariamente no noticiário de que o vizinho MT é conhecido mundialmente pela destruição de seus recursos naturais. E tem mais. Curiosamente, o principal responsável pela vitória política junto à CBF e à Fifa foi justamente o governador Blairo Maggi, conhecido mundialmente como o rei da soja, e, portanto, como já disse o Juca Kfouri nesta semana, o “rei da motosserra”, aquele que está na contramão da história de um planeta que clama e urge por providências contra a destruição de seus recursos naturais.


Enfim, como bons e inteligentes perdedores, é melhor assumirmos que perdemos a Copa. E deixarmos a derrota de lado. E olhar para a frente, entendendo que este tema que volta à tona, de mudança do nome do estado, deva ser levado mais a sério, observando-se e aprendendo com os erros passados. Nesta semana, mais exatamente ontem, dia 2 de junho de 2009, na primeira sessão ordinária depois da derrota para Cuiabá, o debate voltou à cena no plenário da Assembléia Legislativa de MS, através do deputado Amarildo Cruz, presidente estadual do PT. Aí é que está o novo velho “X” da questão. Em ano pré-eleitoral está mais do que na hora de acabar com as eternas disputas políticas que atendem apenas a interesses de grupos de plantão no poder ou daqueles que querem tomar este mesmo poder.


Hoje a sociedade civil sul-mato-grossense já começa a dar provas de estar amadurecida e organizada. Por isso, esta é quem deve tomar a frente deste debate para que ele seja despartidarizado e se torne realmente um tema democrático, em que todos os segmentos reflitam e opinem, para que, enfim, se tome uma decisão de bom senso. Se Mato Grosso do Sul deve continuar se chamando assim ou deve ser chamado de Pantanal ou de outro nome, que seja a sua própria população que decida, e não este ou aquele “pai” da idéia. E isso só será possível através de debates sérios e consistentes que pode ser encampados por instituições de credibilidade.


Como o tema envolve interesses econômicos, seria de muito bom senso que uma dessas entidades venha a ser a Federação das Indústrias (Fiems) e as associações comerciais e industriais da Capital e dos demais municípios. Como o aspecto legal e jurídico de uma eventual mudança de nome deva ser amplamente debatido, se torna imprescindível a participação efetiva da Seccional estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS) e por suas subseções no interior. Como se trata de discutir algo que faz parte da história passada, atual e futura, é vital a participação dos corpos docentes e discentes das universidades públicas e privadas, que estão formando as lideranças das gerações futuras deste mesmo estado. E, obviamente, é necessária a participação de trabalhadores e profissionais liberais de todos os segmentos, através de seus sindicatos, conselhos e demais entidades. Grupos e partidos políticos, podem, sim, e devem participar deste debate. Mas não deve partir deles a decisão, já que a história provou, sucessivamente, que disputas particulares não produzem os melhores resultados para a sociedade, já que essas nunca têm este interesse, o coletivo, como objetivo (ou, pelo menos, nunca têm este como principal ou primeiro objetivo embora tentem sempre agradar a platéia eleitoral dizendo o contrário).


A proposta deve partir da sociedade civil como um todo para, depois, aí sim, chegar às instituições públicas e políticas, a quem cabe, conforme prevê a Constituição Federal, dar os procedimentos legais para uma eventual troca de nome ou não. Mas, enfim, é preciso, antes de tudo, deixar de pensar apenas no próprio umbigo, se libertar do provincianismo bairrista de se preocupar se é bonito ou não (eu acho lindo) ser chamado pelo gentílico “pantaneiro” ou qualquer outro que seja. É preciso pensar grande, pensar no estado que seus filhos, seus netos, bisnetos e os descendentes destes irão habitar. Para que esse estado seja melhor e nunca pior do que o atual é preciso, agora, um outro estado de espírito coletivo, que seja maduro, sem ranços. Para pensar e propor a mudança de nome do estado.


Eu, que não costumo ficar em cima do muro, declaro e assino embaixo que sou, particularmente, favorável ao nome Pantanal. Mas considero fundamental ouvir, respeitar e debater opinições contrárias. Opositores à idéia costumam, dentre outros argumentos, dizer que se gastaria uma fortuna em papel para mudar registros, escrituras etc. Na minha modesta opinião, acredito que esse mesmo dinheiro é gasto quando se trocam governadores, com a mudança de nomes, de slogans, de carimbos, etc. E que essa tal fortuna seria apenas trocado diante dos lucros que a Copa começará a trazer, desde já, para o vizinho Mato Grosso.


E por falar em Copa, já passou da hora também de continuar essa briga inútil (que só favorece candidatos de plantão) sobre de quem é a culpa por Mato Grosso do Sul ter perdido o direito de sediar os jogos do mundial de seleções de futebol. A culpa foi da política, da disputa interna que sempre culmina na falta de disputa externa. É necessário, crescer. E desde já não apenas ficar na conversa mas assumir, na prática, que, mesmo sem ser sede de Copa, o Pantanal é realmente aqui. E que é e continuará por muito tempo, caso seja preservado, sendo uma das três principais grifes turísticas do Brasil. Isso significa que turistas de todo o planeta que vierem a Cuiabá, a São Paulo, ao Rio de Janeiro ou a qualquer outra sede de jogos brasileira para ver a Copa do Mundo não se importarão em viajar uma ou duas horas a mais de avião para conhecer a belezas naturais que as regiões turísticas, pantaneiras ou não, que Mato Grosso do Sul oferece como Bonito e outras cidades que não estão no Pantanal. E não só os torcedores não. Investidores e técnicos estrangeiros que virão ajudar a preparar estas mesmas sedes estarão ávidos por conhecer este estado.


Portanto, é hora de parar com o choro infantil ou ficar como adolescente culpando o irmão por isto ou por aquilo. É hora de a sociedade civil assumir, enfim, a maturidade plena de um estado que já passou dos 30 e que, embora tenha se emancipado de direito, ainda não assumiu a emancipação prática de assumir a vida real e sair de vez da dependência paternal do território vizinho que o gerou e de quem herdou o nome. É hora de crescer. Cá entre nós, já passou faz tempo da hora. Mas como o tempo não nos pertence e como os grandes sempre surgem nas crises e nas derrotas, talvez seja esta a hora mais propícia designada pela arquitetura do universo da qual somos uma pequena partícula mas que devemos ter o orgulho de ser nem menor nem maiores que as demais partículas. Vamos nessa?