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Três Lagoas

Promotor defende debate sobre Toque de Recolher

?Toque de recolher é válido, desde que seja uma ação conjunta e organizada?, afirma promotor José Luiz Rodrigues

A discussão sobre a implantação do chamado “toque de recolher” – medida que restringe a circulação de jovens pelas ruas à noite – em Três Lagoas é vista com bons olhos pelo Ministério Público Estadual (MPE). De acordo com o promotor de Justiça, José Luiz Rodrigues, responsável pela área de atos infracionais (crimes cometidos por adolescentes) da Promotoria da Criança e do Adolescente, a medida, que visa impor horários para a circulação de adolescentes desacompanhados dos pais no período noturno, traria benefícios a Três Lagoas, porém ainda precisa ser debatida.

“Embora não haja, até agora, mobilizações na Comarca para a implantação do toque de recolher, é oportuno que se faça, desde que seja uma ação conjunta [entre todas as instituições ligadas à segurança e aos direitos da criança e do adolescente] e organizada. Teria de ser um toque de recolher bem aplicado, apenas no papel não adiantaria”, explicou.

Para o promotor, a medida ajudaria a reduzir o preocupante índice de crimes envolvendo adolescentes na Cidade. “Neste ano foram registrados cerca de 1,3 atos infracionais. O número representa em torno de 200 casos ao mês e uma média de sete por dia. É muito alto. Agora, se os adolescentes estivessem em suas casas, não aconteceriam os crimes, pelo menos na prática, seria assim”.

De acordo com Rodrigues, os crimes praticados para o sustento da dependência química lideram o ranking dos atos infracionais cometidos na Cidade. A maioria dos garotos infratores é composta por usuários de drogas, que furtam, roubam ou vendem drogas para sustentar o vício.

Mas, entre eles, também há os “escudos”: “São os adolescentes usados pelos maiores, seja para o tráfico de drogas quanto para os assaltos, em crimes mais violentos. São eles quem praticam o crime, assumem toda a responsabilidade e, em troca, recebem uma moto e uma arma. Agora, que adolescente que não quer ter uma moto? Todos querem. Todos querem poder, mesmo que paralelo. Tem garotos comandando bairros na Cidade. Sempre prestando contas a alguém maior, mas estão na liderança daquele local”.

Rodrigues explica que, por conta da falta de um estudo aprofundado sobre os horários em que acontece boa parte dos atos infracionais, fica difícil afirmar, com certeza, se o toque solucionaria de, por completo, apenas no período noturno. “Se a problemática acontecesse apenas à noite, o toque de recolher seria a solução. Mas, o que pude perceber é que os horários são variados. No entanto, de uma maneira indireta acabaria reduzindo consideravelmente. Já que, embora os crimes ocorram em diversos horários, o encontro para a negociação de armas, as conversas para o planejamento de delitos, acontecem, em sua maioria, à noite”.

ESTADO X PAIS

Entre os benefícios do toque de recolher, o promotor também destaca o maior controle por parte dos pais. “Hoje, boa parte dos delitos é sempre praticada em grupos de garotos. Com a implantação do toque e a divulgação nos meios de comunicação, os pais teriam mais controle. Muitos pais não deixariam seus filhos saírem. Com isto, de um grupo de três ficaria apenas um e sozinho, dificilmente ele cometeria um crime. Mas para isto, os pais têm de participar também”.

Rodrigues concorda que com a teoria levantada por alguns especialistas de que o toque recolher é uma forma do Estado cumpra o papel que seria, via de regra, obrigação dos pais. “Os pais deveriam participar da vida dos filhos, independentemente de haver Lei, ou não. No entanto, o papel do pai e da mãe desapareceu da família e agora o que podemos esperar destes adolescentes?!”.

Ele completa: “Os extremos são preocupantes. Saltamos de um exagero da repressão, na época da ditadura, para o extremo do liberalismo. Somos a última geração que temia aos pais e a primeira que teme aos filhos”.

Entretanto , Rodrigues destaca o “grande hiato” entre a idéia do toque de recolher e a real implantação. “Até agora, vimos a implantação do toque em cidades menores. É uma ação nova e existem dificuldades para se colocá-la em prática. O que sabemos é que a comunidade de bem recebe a implantação com alegria, mas ela não nos dá problemas. Mesmo assim, é possível, se bem discutida, bem organizada é viável”.

Entre os questionamentos que ainda precisam ser discutidos, o promotor destaca o funcionamento do decreto, como: local de recolhimento destes adolescentes, horário para estudantes e outros.

Nos municípios do interior Paulista, o toque de recolher determina que crianças de 13 anos fiquem das ruas até às 20h30 sem a presença dos pais. Já aos adolescentes até 15 anos, o horário é estendido até às 22 horas e aos jovens de 17 anos, até às 23 horas. Caso sejam flagrados fora deste horário, os garotos são levados para a casa e os pais sofrem algum tipo de punição – que pode variar de acordo com a comarca. Além disso, o horário determinado para os estudantes também varia de 30 minutos a 1 hora para que possam chegar em casa.

Atualmente, o chamado “toque de recolher” já funciona em ao menos 21 municípios de oito Estados brasileiros. No interior paulista – pioneiro na implantação, com a cidade de Fernandópolis, em 2005 -, já são três municípios que adotaram a medida, que deve se estender à boa parte daquela região. O toque de recolher é estudado também na Grande São Paulo, pelas cidades de Diadema, Santo André, Guarulhos e Ribeirão Pires. Em alguns município, a multa em caso de reincidência chega a R$ 9 mil para os pais.

Em Mato Grosso do Sul, o toque de recolher já foi implantado em três municípios: Anaurilândia, Nova Andradina e Fátima do Sul. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) negou uma liminar contra a juíza Jacqueline Machado, da Comarca de Nova Andradina, afirmando que o toque de recolher criado na cidade para crianças e adolescentes é legal e baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).