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Três Lagoas

"Violência nas escolas pode virar bola de neve"

O entrevistado do Jornal do Povo, nesta semana, é o professor Petrônio Alves Correa Filho, de 54 anos

O entrevistado do Jornal do Povo, nesta semana, é o professor Petrônio Alves Correa Filho, de 54 anos, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sinted). Ele começou sua carreira no magistério, em 1978, na Rede Municipal de Ensino de Campo Grande. Desde 1983, quando passou para a Rede Estadual, ele reside em Três Lagoas. Professor efetivo de Geografia, Petrônio lecionou na escola estadual João Magiano Pinto (Jomap) e, atualmente, é integrante do quadro de educadores da Escola Estadual Fernando Corrêa, cedido para o cumprimento de mandato classista, iniciado em 2004 e que termina em 2010. Humano e sensível, Petrônio é uma pessoa que reflete sobre tudo o que fala, porque é contra a violência e avesso a discussões de ordem pessoal, que não levam a nada, mas “que machucam muito”. Na entrevista, Petrônio demonstrou que partilha dos pensamentos de Paulo Freire. Ele defendia que todo o educador deve ter sempre em mente que está lidando com gente: “É com gente que lido…não com coisa. Se porque lido com gente, não devo negar a quem sonha o direito de sonhar”, escreveu Paulo Freire. Petrônio acredita que os problemas na educação somente poderão ser solucionados com medidas humanísticas e sociais, que tenham força suficiente para transformar toda a sociedade e reverter o processo de quebra de valores, que têm provocado a preocupante redução nos níveis de aprendizado e, mais ainda alarmante, o aumento dos índices de violência nas escolas. “Este processo não é irreversível, mas é necessário que se adotem medidas eficientes para que não se torne uma bola de neve, incontrolável”, disse.

JP: Quando o senhor começou sua carreira de professor?

Petrônio: Comecei em Campo Grande, na rede municipal da Capital, em 1978. Em 1983, como professor efetivo de Geografia, vim para Três Lagoas, onde lecionei na Rede Estadual de Ensino. Minha primeira experiência aqui foi no colégio Jomap (João Magiano Pinto), onde lecionei por vários anos. Depois fui transferido para a Escola Estadual Fernando Corrêa, também como professor efetivo de Geografia.

JP: Continua dando aula?

Petrônio: Como membro da diretoria do Sinted, gozo da licença sindical, prevista em lei. É a licença para cumprimento de mandato classista. Estou nessa licença, desde 2004. Por causa disso, perdi o direito à aposentadoria especial, que iria conquistar no próximo mês de setembro. Terei que trabalhar ainda por cinco anos para me aposentar.

JP: Desde quando participa da diretoria do Sindicato?

Petrônio: Sempre fui sindicalizado, mas nunca tive a pretensão pessoal de integrar uma diretoria sindical. No período de 1994 a 1995, participei da diretoria do Sinted como substituto de colegas que haviam mudado da Cidade. A partir dessa época o pessoal pediu, por várias vezes, que saísse candidato. Não aceitei. Na composição da chapa da atual diretoria, que está cumprindo o segundo mandato, me colocaram como vice-presidente. Em setembro de 2010, haverá novas eleições no Sinted. Não é possível uma segunda reeleição.

JP: Tem pretensão de encabeçar nova chapa e assumir a presidência do Sinted?

Petrônio: Historicamente, as eleições no Sinted sempre foram acirradas politicamente. Não tenho essa pretensão, porque sou uma pessoa extremamente sensível, que não gosta de agressividade e de se expor a disputas. Discussões com colegas me agridem demais. Já sofri muito com isso na minha vida, principalmente, quando era diretor de escola. Quando se exige a competitividade, o mundo moderno é muito agressivo, porque as pessoas são capazes de apelar para uma série de coisas que acabam machucando muito. Infelizmente, não consigo desligar atitudes dos sentimentos e isso me faz mal. Em Três Lagoas, as eleições sempre têm envolvido acirradas disputas, que acabam esbarrando em questões pessoais. A discussão ideológica é sadia, mas algumas pessoas não conseguem manter esse nível sadio da discussão e partem para a agressividade, apelam para o campo pessoal. Isso não é bom. Por esses motivos, não pretendo enfrentar disputas. Já perdi muito com isso e não quero perder mais.

JP: As acirradas disputas políticas, em tempo de eleições, não terminam após a apuração dos vencedores?

Petrônio: Infelizmente, não. Muitas delas ainda continuam e permanecem. Isso não é saudável para nenhuma categoria profissional, especialmente, para nós educadores. Mesmo terminadas as eleições, continuam os resquícios de rivalidades, que vieram à tona, no período eleitoral. Nem todo o perdedor aceita a vitória do grupo adversário, principalmente, quando percebe que a maioria estava certa e os eleitos passam a realizar um trabalho sério e honesto, como haviam anunciado que iriam realizar.

JP: Como professor sindicalizado e como membro da diretoria do Sinted, qual a sua avaliação do movimento sindical da categoria dos educadores?

Petrônio: O movimento sindical tem sofrido forte abalo nos últimos anos, não só o da categoria dos trabalhadores da educação, mas também das demais categorias. Com a queda do socialismo e a força da imposição da ideologia neoliberal, o fracasso foi sendo percebido gradativamente. Infelizmente, a culpa do fracasso e da diminuição da força dos movimentos sindicais é sempre atribuída às diretorias sindicais. Parte dos trabalhadores quer ver resultados imediatos e alguém que não arrede o pé na luta por melhores condições de trabalho e, especialmente, de melhores salários. Maioria deles não entende porque não conseguimos tudo o que gostaríamos de conquistar para a classe que defendemos e representamos. O neoliberalismo quer aumento na produção, sem se preocupar com melhoria salarial e a qualidade de vida de quem produz, o trabalhador. Quanto menor for o custo da produção, maior será o lucro. Infelizmente, isso é que interessa. Todos os investimentos são nesse objetivo único. Essa é a mentalidade que prevalece no nosso mundo moderno e neoliberal.

JP: Como tem sido a mobilização do Sinted frente aos principais empregadores da categoria, governo do Estado e do Município?

Petrônio: Os avanços ou dificuldades nas negociações sempre dependem da postura dos dirigentes públicos. Alguns são mais acessíveis ao diálogo, abertos às propostas. Outros são mais difíceis para entender e até ouvir as justas reclamações e anseios dos trabalhadores. Por isso, as negociações demoram, são adiadas, difíceis de acontecer, prejudicando diretamente o trabalhador da educação. Com a prefeita Simone Tebet tivemos dificuldades, avanços e importantes conquistas. Ela é ótima administradora, tem metas a cumprir para melhorar esta Cidade, como já melhorou em muito, mas o mais importante não é só fazer.

JP: Quais foram as principais conquistas, na administração da prefeita Simone Tebet?

Petrônio: Não tem sido fácil, mas a categoria dos trabalhadores da Educação conseguiu importantes avanços na atual administração municipal. Entre eles, devemos citar a construção de novas escolas e Centros de Educação Infantil. Melhorou em muito a estrutura funcional da Educação no Município. Outra importante conquista é a reestruturação do Plano de Cargos e Carreira do Magistério, prestes a estar pronta para ser votada pela Câmara. Não podemos ignorar a conquista do aumento da hora/atividade, estabelecida na Lei do Piso Salarial Nacional. Apesar de ser do mesmo partido do governador André Puccinelli, que impetrou recurso contra a Lei, a prefeita Simone Tebet foi uma das primeiras a aplicá-la no Município.

JP: Qual o principal problema que o Sinted enfrenta nas negociações?

Petrônio: O maior problema da nossa luta sindical é que muitos políticos pensam de modo retrógrado, seguindo o princípio de exploração do sistema neoliberal: explorar ao máximo o trabalhador para conseguir mais produtividade e mais lucro, a um custo também menor. Isso, felizmente, já não existe mais nos países desenvolvidos, onde a produtividade está centralizada na qualidade e não na quantidade.

JP: Como avalia hoje o quadro dos nossos educadores, em Três Lagoas?

Petrônio: Hoje, a tônica das discussões e a mais importante em conferências, seminários, palestras e encontros é a qualificação profissional. Essa também foi uma das principais propostas da Conferência Municipal de Educação. Infelizmente, está muito a desejar. O problema já se arrasta há anos. Vem sendo provocado por vários fatores. Entre eles, o discutido conteúdo das faculdades de formação pedagógica. Seus conteúdos não formam o trabalhador da educação de modo a que ele atenda às reais necessidades da sua atividade profissional, que é o magistério. Esta não é só a nossa dificuldade. Este é um problema nacional.

JP: O magistério ainda é considerado como importante opção vocacional?

Petrônio: Infelizmente, o magistério ainda é encarado como uma das últimas opções profissionais. Até os anos 70, ainda tínhamos uma sociedade, na sua maioria, extremamente machista. O quadro de mulheres que estudava vinha de classes privilegiadas. Eram filhas de fazendeiros, bem sucedidos empresários, donos de grandes indústrias. As que conseguiram se formar no magistério possuíam aprimorada educação e conhecimentos. O status social que elas conseguiam era mais decorrente das origens familiares do que da profissão que exerciam como professoras. Eram altamente respeitadas, um respeito e admiração, impostos pela sociedade daquela época.

JP: A que se atribui a decadência do prestígio do professor?

Petrônio: Um dos principais fatores dessa queda é a desestruturação da própria sociedade, que acaba influenciando negativamente as famílias e causando uma indisciplina generalizada. Tudo isso tem afetado os níveis do aprendizado, o aumento da violência nas escolas e o desprestígio da profissão de educador. Esses fatores, aliados aos baixos salários estão causando os inevitáveis negativos resultados que todos constatamos, infelizmente.

JP: Quais as consequências do aumento da violência nas escolas?

Petrônio: Esse é um problema que tem que ser resolvido, antes que se transforme em bola de neve, difícil de conter e controlar. Por causa desse e outros problemas, temos um inúmero quadro de trabalhadores com sérias doenças mentais e neurológicas. Com isso, aumentam as contas dos governos, devido à necessidade de convocar substitutos dos trabalhadores, afastados para tratamento de saúde. 
Não temos dados precisos da violência, porque ainda existe o medo de denunciar, de registrar o Boletim de Ocorrência, com receio de represálias e até perda do emprego. O que sabemos é através de conversas e desabafos informais.

JP: Tem como controlar o avanço da violência no interior das escolas?

Petrônio: É necessário que se adotem medidas urgentes e em conjunto, para que isso não se transforme em incontrolável bola de neve, com sérios e irrecuperáveis danos à Educação, como disse antes. Na recente Conferência Municipal de Educação, esta foi uma das principais propostas que deverão ser amplamente discutidas no Estado. Em primeiro lugar, temos que melhorar a formação profissional do educador, para que ele se imponha naturalmente e volte a ser respeitado pela sociedade, pela escola e na sala de aula. Precisamos conquistar melhores salários para atrair melhores profissionais, que acabam atraídos por outras profissões que pagam melhor. Temos também que melhorar a estrutura funcional das escolas e recorrer a profissionais de outras áreas para se envolverem na Educação.

JP: Como funcionaria isso na prática? A ação da polícia não seria suficiente?

Petrônio: Intensificar as rondas policiais e até a presença ostensiva da polícia não resolvem o problema. São medidas paliativas, que ajudam, mas não acabam com o problema. É como alguém que sofre de insônia. Se tomar somente remédio, sem um devido tratamento, não sara. O Poder Público tem que contratar outros profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e sociólogos para trabalhar na Educação, a exemplo do que já existe nos países desenvolvidos, como no Japão. Lá estes profissionais acompanham o aluno junto à sua família, porque a escola é reflexo e continuidade do que aprendemos e vivemos em família e na comunidade. Temos que nos convencer que a escola está inserida na comunidade, não é uma ilha da comunidade. Por essa razão, precisamos do apoio extra-escola, porque o processo pedagógico acaba sendo influenciado pela comunidade onde a escola está inserida. O contrário também deve acontecer para a comunidade. Ela deverá sentir os reflexos positivos e transformadores da educação que é dada naquela unidade escolar. Não cabe somente ao diretor ou diretora de escola essa responsabilidade. Todos somos responsáveis e toda a comunidade deve estar envolvida nesse processo pedagógico.