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Três Lagoas

Acessibilidade Intelectual: mais do que estrutura

Muito mais do que rampas, barras e banheiros. A acessibilidade intelectual exige preparo e conhecimento

Acessibilidade tem sido tema constante de pautas divulgadas pela mídia. A questão estrutural como rampas, barras, banheiros adaptados, estacionamento, entre outros quesitos importantes tem sido amplamente divulgado pela imprensa. Mas, não é apenas a questão estrutural que pesa quando o assunto é acessibilidade, além destes problemas, há também barreiras invisíveis enfrentadas diariamente pelos deficientes intelectuais.

Vencer estas barreiras e este preconceito é uma das metas da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que realiza um trabalho de capacitação profissional onde o objetivo é inserir os deficientes intelectuais no mercado de trabalho. De acordo com a coordenadora de Educação Profissional, Silvana Cristina Fontanelli Pinto, dar acessibilidade para estes deficientes significa dar tempo suficiente para o desenvolvimento. “Eles têm um tempo individual, cada um tempo um tempo de preparo e as pessoas precisam entender e se sensibilizar para dar espaço aos deficientes intelectuais”.

O trabalho de capacitação realizado pela associação é um exemplo de que cada um deles tem o seu próprio tempo. A duração depende de cada aluno.

“Aqui ensinamos desde a teoria até a prática. Desde que começamos já conseguimos inserir 37 deficientes, destes 22 intelectuais. Há alunos que me menos de seis meses estão prontos e outros que podem levar dois anos ou mais. É um trabalho de construção”, completou.

Durante o curso os alunos recebem aulas teóricas e práticas, temas como comportamento, hierarquia, higiene pessoal, além de troca de experiências, relatos de pessoas que foram colocadas no mercado de trabalho e visitas nas empresas compõem o trabalhado da equipe formada por terapeuta ocupacional, psicóloga, assistente social, coordenação e instrutor de aluno.

“Nós nos preocupamos em trazer a realidade para os nossos alunos. Por isso durante a capacitação uma das nossas parceiras é com a Universidade Federal. Durante três tardes nossos alunos saem para conferir como é a organização fora da Apae, como devem proceder. É uma verdadeira aula de conhecimento. Tudo é diferente e eles têm que estar adaptados a isso. É uma vivência muito rica”, acrescentou.

A coordenadora explica que ainda há preconceito e resistência por parte de algumas empresas, mas que são poucas. “Nós realizamos um trabalho junto à empresa. Informamos como receber e principalmente quais os direitos e deveres, já que nosso maior objetivo é que eles [os deficientes] sejam tratados com igualdade”.

No decorrer do curso os alunos são avaliados. A equipe direciona dos trabalhos e checa as habilidades e perfil de cada um.

Para a psicóloga, Cássia Maria Garcia Iunes, trabalhar as diferenças é o melhor caminho para que estes alunos estejam preparados para cumprir suas tarefas. Além da auto-estima também é feito o resgate do individuo. “Nós acreditamos neles e fazemos com que eles também acreditem. Não queremos que a empresa cumpra apenas o compromisso social. Nós provamos que eles são capazes e deixamos claro as limitações de cada um, mas que podem sim, produzir. Eles sabem o que querem, até mais do que a gente”, enfatiza.

A assistente social também tem papel primordial no desenvolvimento deste trabalho. É através deste serviço que os deficientes têm o apoio familiar trabalhado pela assistente. “Elas são responsáveis por cobrar e informar a família sobre algumas responsabilidades como horários, uniformes entre outras coisas”, diz a psicóloga.

A terapeuta ocupacional, Heloisa Barbosa Maia, explica que o trabalho realmente só funciona porque é feio em equipe. “Às vezes eu como terapeuta ocupacional julgo que a pessoa esta apta, ai vem a psicóloga e me diz que na parte emocional a pessoa ainda não pode ser liberada. São nesses momentos que vemos a verdadeira importância de cada área. É nosso papel preparar este aluno para o mercado”.

Heloisa também fala da necessidade da compreensão dos funcionários que vão receber o deficiente. “Os encarregados de cada empresa são peças fundamentais neste trabalho. Eles precisam entender as limitações e não cobrar um tempo. Com certeza eles irão produzir, eles não estão lá para atrapalhar e sim para somar”.

A terapeuta enfatiza que o trabalho de sucesso vem com o tempo e com paciência. “O encarregado precisa passar informações claras, precisas e fragmentadas, até que percebam que ele engrenou e pode se manter sozinho.

Alguns pegam as informações mais rápido, outros demandam um pouco mais de tempo. Por isso, nos primeiros dias a equipe acompanha o aluno no ambiente de trabalho e qualquer questão que saia do normal é trabalhada e resolvida”. 

CAMINHO E OPORTUNIDADE

Guilherme Brito, 17 anos é o orgulho da Apae. O adolescente atua como cabeleireiro em um salão de beleza na Vila Piloto e há dois meses concluiu o curso profissionalizante do Senac.

Em entrevista ao Jornal do Povo o adolescente contou que este era um sonho que carregava desde pequeno. “Quando eu era criança ficava vendo a minha vizinha trabalhar no salão e ficava me imaginando trabalhando na área. O primeiro curso que fiz durou quatro meses e foi promovido pela prefeitura, depois a Apae conseguiu o curso no Senac e foram mais 10 meses”.

Hoje o que Guilherme mais gosta é trabalhar com a colorimetria, que mexe com coloração. Aos 15 anos o adolescente começou a atuar em salão fazendo escova. “Ser cabeleireiro era o meu sonho. Há dois anos estou na área e me sinto realizado”.

Exemplo de vida, o garoto também se destaca nos esportes. Este ano Guilherme conseguiu uma bolsa-atleta por bater o recorde brasileiro de arremesso de peso. “Eu não praticava este esporte, treinava arremesso de disco, mas resolvi competir e bati o recorde, por isso ganhei a bolsa. Foram 7,40 metros e a bolsa de R$ 750,00 veio”.

Com o dinheiro recebido Guilherme diz que vai montar o próprio salão. “Se eu treinar e me esforçar posso prorrogar e até aumentar o valor da minha bolsa. Eu penso em comprar as coisas para o salão, não precisa ser do mais caro, mas quero começar e ter meu próprio negócio”, explicou.