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Três Lagoas

?Não quero que as pessoas cometam o mesmo erro?

A entrevista da semana é com o palestrante Flávio Peralta, 38 anos

A entrevista da semana é com o palestrante Flávio Peralta, 38 anos.  Em agosto de 1997 o eletricista sofreu um acidente de trabalho e levou um choque de 13.800 volts ao trocar um transformador. A consequência do uso de equipamento inadequados durante o trabalho deixou sequelas e Flávio teve que amputar os dois braços. Pela terceira vez em Três Lagoas, ele concedeu entrevista exclusiva ao Jornal do Povo para falar das mudanças e adaptações desde o ocorrido.

Flávio Peralta pode ser considerado um exemplo de vida e superação. O acidente de trabalho que aconteceu há 12 anos ainda tem reflexos diretos no cotidiano do ex-eletricista e atual palestrante. Depois de levar um choque de 13.800 volts e amputar os dois braços, Flávio deu a volta por cima. Entre as mudanças, inciou a uma nova carreira, casou-se, teve um filho e também criou um site que ajuda outras pessoas por meio de informações e depoimentos. “Passei por 15 cirurgias. Não vou dizer que nunca desanimei. Quando não consegui colocar a minha prótese no braço direito fiquei frustrado e decidi montar o site. Antes eu ficava o tempo todo vendo tevê”.
Desde 2001 o site Amputados Vencedores (
www.amputadosvencedores.com.br) leva informações aos deficientes físicos.

Jornal do Povo: Como o aconteceu o acidente, e como ele mudou a sua vida?

Flávio Peralta: No dia 21 de agosto de 1.997 fui chamado para fazer a troca de um transformador. Eu trabalhava como eletricista e infelizmente não estava usando os equipamentos adequados. Na época não me preocupava. A minha luva estava furada e ao executar o serviço, levei um choque de 13.800 volts. O resultado foi a perda dos meus dois braços. Com isso, tive que reaprender a fazer tudo. Além de me superar, eu precisava provar para as outras pessoas que eu era capaz.


JP: Quais foram suas principais dificuldades no início?

FP: Eu me tornei depende das pessoas. Quando sofri o acidente houve uma união muito forte da minha família. Eu precisava de ajuda para tudo. Aprendi o valor de coisas simples, como tomar água sozinho, tomar banho, escovar os dentes.

JP: Você se considera independente?

FP: Hoje tenho uma independência restrita. Viajo sozinho, tomo conta do meu filho, atualizo meu site, consigo pegar o controle da tevê. A gente passa a dar valor nas coisas simples, como mexer um dedo. Ainda dependo das pessoas, por exemplo, para me alimentar.
 
JP: O preconceito inibe as pessoas de assumirem suas deficiências?

FP: Não há como evitar o preconceito. Ele existe, e não é só com o deficiente. Brancos, negros, obesos, entre outros enfrentam preconceito todos os dias. Eu mesmo já passei por várias situações. Tem gente que olha, outros perguntam. O olhar é mais forte que a palavra. Tinha um amigo que perdeu o dedo do pé e ficou um ano andando de meia. A pessoa não deve se esconder. Ela precisa se aceitar. Numa conversa por msn, uma mulher me disse que queria se matar, pois tinha perdido uma perna.

JP: Em algum momento recebeu auxílio da empresa em que trabalhava?

FP: Eu assumi a responsabilidade sozinho. Era uma empresa pequena e meu pai trabalhava nela há muitos anos. Não acionei a empresa. Depois do acidente passei por 15 cirurgias, entre elas, a colocação de ilizarove (um aparelho com vários ferros) no meu cotovelo esquerdo. Com isso o osso cresceu seis cm para facilitar a colocação da prótese.

JP: Como surgiu a ideia de dar palestras?

FP: Jamais imaginei que ganharia dinheiro contando a minha história. Quando fui convidado por uma multinacional ficava pensando o porquê as pessoas se interessariam por uma historia tão triste. Recebi três ligações me convidando para ser palestrante, recusei nas três, apenas na quarta aceitei e desde então percorro o Brasil falando sobre segurança no trabalho, abordando motivação e superação. O tema da minha palestra é Perigo Alta Tensão. Por meio dela e da minha experiência pessoal, alerto as pessoas a tomarem consciência para usarem equipamentos de proteção individual necessários, não quero que elas cometam o mesmo erro que eu cometi. Desde 2006 já realizei 145 palestras com público de mais de 10 mil pessoas

JP: Você recebe um feedback do seu trabalho?

FP: Quando termino a palestra muitas pessoas choram. Outras me agradecem. Certa vez um trabalhador me contou que depois que assistiu a minha palestra passou meia hora conversando com o filho, e que o resultado tinha sido bom. Eles começam a ver a vida de uma outra maneira.

JP: Como surgiu o site Amputados Vencedores?

FP: De 1997 a 2001 passei os anos vendo tevê. Não aguentava mais ficar daquele jeito. Casei e aprendi a mexer no computador. Como estava frustrado por não ter conseguido colocar a prótese no braço direito resolvi montar o site e dar auxilio a pessoas que estavam passando pelo mesmo problema. Hoje o site tem dicas, vídeos, fotos de prótese, depoimentos e recebe inúmeros acessos diariamente.

JP: Você se considera um exemplo de superação?

FP: Hoje sim. Quando sofri o acidente tinha expectativa de que minhas próteses seriam a solução. Quando não consegui implantar no braço direito fiquei mal. Eu estava cansado de tanta luta, de ir e voltar de Sorocaba, das cirurgias que não davam certo. Mas hoje, mesmo com apenas uma prótese tenho mobilidade e dentro do possível consigo me virar sozinho. Nunca fui de ficar me lastimando. Eu escutava muito as pessoas dizerem o que eu ia fazer sem os meus dois braços. Eu tive que criar e abraçar a oportunidade.
 
JP: Como é a acessibilidade em Londrina?

FP: Londrina é bastante acessível. A associação lá é forte. Temos rampas nas calçadas, banheiros adaptados e a mudança está ainda maior devido a copa do mundo. A legislação é algo que ajuda muito também.

JP: Qual conselho daria a quem sofreu um acidente recentemente?

FP: O importante é saber que somos deficientes e não incapazes. As pessoas passam a vida atrás de dinheiro, depois gastam tudo tentando recuperar a saúde. Tudo na vida funciona pela teoria do espelho, a gente se vê na outra pessoa. O importante é não desanimar e encontrar uma oportunidade.

JP: Quais são seus planos a partir de agora?

FP: Estamos lançando um livro. O titulo ainda é provisório. “Amputados Vencedores – A vida continua”. Quero continuar palestrando e fazer com que as pessoas compreendam e se conscientizem com relação ao uso dos equipamentos de proteção. As pessoas precisam preservar a vida, pois este é o órgão mais importante. Em outubro vou estar em um programa da Record, no Gugu , em um quadro chamado “Nasci de Novo”.