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Três Lagoas

Entrevista da semana traz Rogério Ursi Ventura

Rogério atua na Comarca de Três Lagoas desde 2005

Jornal do Povo – Recentemente, o senhor foi responsável por firmar o maior acordo durante a Semana da Conciliação em Mato Grosso do Sul, a partilha de um montante de R$ 1,8 milhão. Como foi este processo?

ROGÉRIO URSI VENTURA – “Na verdade, eu nem sabia que se tratava do maior acordo firmado. Depois eu acompanhei o resto e descobri, mas também não estava muito preocupado com isto no momento da audiência, queria firmar um acordo. O que aconteceu foi o seguinte: estes processos estão sendo vigiados pela Corregedoria e pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. São processos antigos, que eles estão acompanhando e querem ver solucionados. Como eu marquei audiência, eles foram avisados anteriormente e, em seguida, ligaram para saber o resultado. Foi quando informei que havia conseguido quatro acordos e também disse os valores. Fui para casa, assisti ao jogo, Palmeiras e Cruzeiro, aquela bela vitória. Aliás, sou palmeirense roxo, aliás, roxo não, agora é azul, que é a nova cor da camisa, aquela camisa linda. E no outro dia que fui informado, quando a assessoria do TJ [Tribunal de Justiça] me ligou”.

JP – Este processo já havia passado por outros juizes?

RUV – Já havia passado por vários. O processo está em andamento desde 1994 até agora. Já passaram pelas mãos de juizes que eu nem conheço e que passaram por aqui. Eu disse e é verdade, eles trabalharam com muito empenho para tentar resolver, mas por A ou B motivos, acabou não acontecendo. E agora, por coincidência, acabou acontecendo, podia ser sido antes ou depois. Não foi nada de extraordinário meu”

JP – Em uma entrevista publicada pelo Departamento de Reportagem do Tribunal de Justiça, o juiz titular da 6ª Vara Cível da Capital [Marco André Nogueira Hanson] informava que os acordos, muitas vezes, não dependem apenas da decisão do Juiz. Quais são as principais dificuldades e o que é necessário para se conseguir um acordo?

RUV – A 1ª Vara Cível, na Vara de Família, envolve muitas questões pessoais de ambas as partes. Em muitos casos, os processos que são trazidos a juízos são carregados de muita mágoa, muita dor, às vezes por conta de uma separação, ausência dos filhos. Então não é fácil estabelecer um acordo, levando em conta tudo isto, por isto tem que ter paciência para tentar demonstrar para as pessoas que elas têm de superar esta parte, caso contrário, passarão o resto da vida se martirizando.  No entanto, estes quatro processos [em que houve audiências na Semana da Conciliação] são processos de inventário. Não temos mais processos antigos referente a questões envolvendo famílias. Agora, inventário tem processos antigos aqui. Para se ter uma base, os processos em que houve acordo na Semana da Conciliação são dos anos de 1994, 2002 e 2004.

JP – Em relação aos inventários, o que dificulta a possibilidade de se firmar um acordo?
RUV –
Um das principais dificuldades, que faz com que o inventário demore muito tempo é que em alguns casos o próprio herdeiro vem a falecer e aqueles que deveriam vir por representação, não são localizados. São necessárias diligências para tentar localizar para reservar os direitos daqueles também, para que eles recebam aquilo que tem direito.

JP: O volume de trabalho da 1ª Vara Cível é grande?
RUV –  Atualmente, nós temos uma média de 1,9 mil processos em andamento apenas na 1ª Vara Cível. Neste ano, foram realizados cinco dias de conciliação, sendo cada um deles com uma média de 180 audiências realizadas. O número corresponde a um total de 940 audiências realizadas, que contaram com o auxílio dos meus colegas, e uma média de 500 a 550 processos arquivados. Se não fossem as Semanas de Conciliação, caso eu estivesse realizando audiências regulares, toda a semana, já teríamos audiências marcadas até setembro do ano que vem. Esta mobilização ajuda muito. Agora, é importante destacar que são pessoas que vêm dispostas a estabelecer o acordo. A nossa média é de que em 66% dos processos há acordo.

JP: Um dos objetivos da Semana da Conciliação é “zerar” os processos em andamento de até 2005. A 1ª Vara Cível vai conseguir atingir a meta?
RUV – Esta é a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também é o nosso objetivo: arquivar todos os processos antigos. Mas como já disse não depende apenas de mim. Hoje, nós temos 33 processos ingressados até 2005, casos antigos, de 1992 ou 1993. Deste total, sete ou oito ainda estão em andamento e o restante, conseguimos arquivar. Para isto, estamos fazendo um acompanhamento diário destes processos.

JP: O senhor está em Três Lagoas desde quando?
RUV – Eu sou de Jaguapitã. É uma cidade do Norte do Paraná, a 60 km de Londrina. Estou em Três Lagoas desde abril de 2005. Nossa, parece que foi ontem. Quando cheguei, assumi a 1ª Vara Criminal, fiquei uma semana e permutei com o meu amigo Dr.Albino [Albino Coimbra Neto e que hoje está em Campo Grande]. Ele foi para a Vara Criminal e eu vim para cá. Estou na Vara Cível praticamente desde que cheguei. Desde que entrei na Faculdade, sabia que tinha vocação para o magistrado. Foi difícil, mas nem tanto. Quando se é jovem, tem que ralar mesmo [risos]. Comecei minha carreira aos 41 anos, em Sete Quedas, no ano de 2001, onde fiquei até vir para cá. Lá, não tinha uma vara específica. O juiz atuava em todas as áreas.

JP – Existe algum caso que o marcou de alguma forma?
RUV – Até por conta desta situação, Vara de Família, existe um aspecto que precisa ser considerado. Eu sou um ser humano. O juiz não é um irresponsável e, às vezes, eu sinto também pelas partes. Por exemplo, quando há o interesse de um menor envolvido, você está vendo a dificuldade da criança e do adolescente. Você vê as conseqüências negativas de uma atitude errada que o pai ou a mãe está tomando. Então, eu fico com esta carga sobre mim. Faço o que posso para tentar conciliar a situação, mas não sou psicólogo, não sei fazer este trabalho especificamente. Eu faço o que posso, baseado no filho que fui e no pai que sou. Quando adulto, a preocupação é menor. Mesmo que ressentido, magoado, o adulto supera. O mais complicado é quando se trata de casos envolvendo [guarda de] uma criança e de um adolescente. Muitas vezes, eles não têm estrutura psicológica para suportar tudo aquilo.

JP – Existe alguma técnica para lidar com esta “carga” deixada após uma audiência?
RUV – 
Com o tempo você vai aprendendo. Mas jamais a pessoa consegue apagar, esquecer por completo. Nós, seres humanos, somos feitos de razão e sentimento. Enquanto, a razão me diz que não fui eu o causador daquele problema e, por conta disto, não há com que me preocupar, o coração não deixa. São problemas que você está vivenciando. Mas também tem que haver um controle para que estas questões não afetem na vida familiar.

JP – E como é a vida do juiz fora do trabalho?
RUV – Como qualquer outra pessoa. Muitos gostam de jogar bola, outros gostam de ginástica, eu prefiro caminhar com a minha cachorra e também fazer natação. Sempre estou caminhando com o meu bichinho. Uma vida normal.

JP – O senhor disse que gosta de natação, já chegou a participar de alguma competição?
RUV – E agora, será que eu digo? Vamos lá. Havia um clube japonês e eles fizeram uma competição entre os próprios membros que faziam natação e era por categoria. E eu ganhei medalha de ouro, só que eu era o único da minha faixa etária. Até hoje, a minha esposa tira o sarro disto [risos]. Mas eu ganhei uma medalha e de ouro. Eu tinha uns 40 anos de idade. Foi em Londrina. Era 100 ou 200 metros livres, não me lembro direito. Hoje, a medalha está guardada em uma gaveta.