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Entrevista

Incêndios em 2020 fortaleceram rede de prevenção no Pantanal

Instituições públicas e privadas fazem parte de brigada voluntária contra o fogo na maior planície alagável do mundo

Tipicamente Mato Grosso do Sul enfrenta o período de seca entre os meses de abril e setembro. Cobertura vegetal ressecada e falta de chuva, aliadas à baixa umidade do ar, formam  as condições ideais para o início de um incêndio  florestal ou urbano. Por isso, as queimadas controladadas estão proibidas nesta época do ano. Mas elas também são fundamentais para manter o equilíbrio ambiental, de acordo com os especialistas. Ou seja, as chamadas queimadas prescritas ajudam a evitar os incêndios de grandes proporções nos bioamas Pantanal e Cerrado.  

O coordenador do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Nacionais Renováveis (Ibama), Márcio Ferreira Yule,  revelou que após os grandes incêndios registrados em 2020 a rede de prevenção contra o fogo no Pantanal foi ampliada. 

Antes de falarmos dos grandes incêndios, é importante destacar que nas cidades muitas pessoas ainda colocam fogo em lixo e terrenos.  Falta conscientização?    
MÁRCIO YULE Infelizmente falta uma  sensibilização maior da população. Muitos bombeiros são empregados para combater  incêndio em terreno baldio e isso pode até estar tirando o bombeiro de outra atividade, como de resgate, de busca, de transporte e até de combate a incêndio predial, até pelo  contingente que está trabalhando,  e gastando os recursos. Em uma propriedade rural  pode haver uma necessidade do uso do fogo. Agora, não existe essa necessidade em terreno baldio. Tem um  Código de Postura da prefeitura que proíbe o uso do fogo para limpeza de terreno  baldio, e o Corpo de Bombeiros tem trabalhado com a  prefeitura nesse assunto.

O Pantanal, em 2020, sofreu a maior tragédia de sua história, com grandes incêndios e destruição de fauna e flora. O que mudou desde então na prevenção e em infraestrutura para o combate? 
MÁRCIO YULE- As instituições públicas e privadas estão trabalhando mais integradas. O ano de 2020 deixou muito claro que sozinho ninguém consegue  fazer nada. Então, as  instituições estão integradas. Aqui no estado já existia um comitê desde o ano 2000, o Comitê Interinstitucional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais. Esse comitê foi  ativo nos cinco primeiros anos, depois ele ‘hibernou’. Cada instituição começou a trabalhar isoladamente nas  suas competências. Em 2019 começamos a retomar o Comitê, porque teve uma Conferência Mundial de Incêndio Florestal aqui em Campo  Grande, pela primeira vez na América Latina. É um evento realizado a cada quatro   anos. Este ano foi em Portugal, por exemplo. E quando veio esse evento pra cá, nós começamos a nos reorganizar no Comitê, e agora ele está extremamente ativo. Atualmente, o Comitê  é presidido  pelo Tenente-coronel Leonardo Rodrigues Congro que tem feito um  excelente trabalho. Portanto, as  instituições já haviam retomado os trabalhos em 2019. Em 2020 trabalhamos integrados, mas os incêndios que ocorreram foram  acima da média. Tanto que tiveram bombeiros de  diversos estados, tiveram  brigadistas que vieram de fora para o combate. A partir de então diversas instituições nos procuraram para formamos as brigadas voluntárias. Essas brigadas  são fundamentais porque elas trabalham ao longo do ano, conhecem as regiões onde  atuam e estão próximas das áreas que queimam.

Muita gente que não conhece o manejo no Pantanal se surpreendeu com a queima controlada na região. Essa ação é indicada. Como é esse manejo?
MÁRCIO YULE A queima prescrita é uma das atividades do manejo integrado  do fogo. No caso do Ibama, a gente contrata  os brigadistas antes do período  crítico, temporariamente  por seis meses, após autorização do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Também tem a compra de EPIs para esses brigadistas. Nós temos feito desde 2015 as queimas  prescritas em cima de informações de um mapa de carga  de combustível. Esse mapa aponta onde há vegetação seca. E e se essa vegetação puder ser manejada antes, no período certo, ela não  vai queimar no período crítico e o fogo entrar em áreas de mato e floresta. Então, nós realizamos em cima desse mapa de carga de combustível as queimas  prescritas e em determinadas áreas. Havendo incêndios em  outras áreas no período crítico, nós podemos conduzir esse fogo pra essa área manejada. Se o fogo entrar nessa área onde foi feita essa ação preventiva, a queima prescrita, no período crítico da seca não vai haver combustível seco embaixo. E eles  trabalham tanto na prevenção, como na construção de aceiros também, que é a retirada da vegetação no entorno de áreas que precisam ser protegidas. 

Também temos as brigadas indígenas. Onde  e como eles atuam?
Márcio Yule O Ibama instituiu esse programa de brigadas indígenas em 2013. Atualmente temos seis brigadas indígenas que atuam na região de Miranda, Aquidauana e Porto Murtinho. Em Porto Murtinho, temos o território do povo Kadiwéu, com uma área ultrapassando 500 mil hectares. Esses indígenas têm o conhecimento territorial e têm o conhecimento tradicional do uso do fogo, que veio dos ancestrais. Os Kadiwéus ainda estão realizando essa queima prescrita, que vai terminar no final dessa semana, porque lá a vegetação e o solo ainda estão úmidos.

Por muitos anos a gente se surpreedeu com grandes incêndios em outros países, em função das mudanças climáticas.  E aqui no Brasil, tivemos, no mês passado, o julho mais quente da história. O senhor acredita que as áreas desmatadas no Pantanal contribuíram para o aumento de temperatura no Estado?
Márcio Yule – Até o desmatamento da Floresta Amazônica influencia na nossa chuva. A cobertura de água do Pantanal vem diminuindo. O  Pantanal tem esse ciclo de  cheias e secas que é normal. Acontecia incêndio quando não  tinha não tinha gente. Então, causas naturais existem. O grande problema no Pantanal é o fogo  subterrâneo, que é o fogo  de turfa, um fogo que ele não  fumaceia. Então, dificilmente você consegue perceber, mas ele é altamente degradante e todo ser vivo que tem no subsolo é eliminado. Isso ocasionou várias mortes de onças. Quando você chega no local não vê, mas se você pisa, tem brasa embaixo.

Os helicópteros são mais eficientes do que os hidroaviões no combate a incêndios?
MÁRCIO YULE Eu acho que os helicópteros, porque levam os brigadistas para perto da linha do fogo. Tem o Bambi Bucket que é aquela bolsa que capta água no rio e joga no fogo, auxiliando os combatentes. O ICMBio tem contrato de aviões e esse ano  de helicópteros também.

Como está a infraestrutura para o combate ao fogo?
MÁRCIO YULE Não falta infraestrutura. Tivemos aumento de veículos, de equipamentos de combate. Houve um aumento do contigente de brigada aqui em Mato Grosso do Sul. Saímos de 110 brigadistas, no ano passado para 142 brigadistas. A brigada de Corumbá passou de 30 para 44 brigadistas. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança de Clima encaminhou um material didático para trabalharmos nas escolas. Então, temos feito também esse trabalho de educação ambiental.

O que se espera para esse ano de 2023?
Márcio Yule -Este ano ainda não começou o  período, mas até agora os focos de incêndio estão 25% abaixo do registrado no ano  passado. Isso deixa a  gente otimista. A situação pode ser tranquila, mas nós estamos preparados, já tem os  brigadistas contratados. Nós temos uma aproximação com o Corpo de Bombeiros, que é instituição competente de combate a  incêndio florestal nas  propriedades rurais. Também temos incentivado e trabalhado com ONGs para  criar mais brigadas voluntárias e termos mais gente preparada e equipada. Essas ONGs têm equipado essas brigadas voluntárias. Por exemplo, começou um fogo em uma fazenda, eles se organizam e apagam. Fogo menor, dano ambiental menor.