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Senado quase abalou um pilar da democracia

Ultimamente, muito se fala da judicialização do Legislativo e da politização do Judiciário. A razão desse debate, a meu ver, é a incompreensão da importância do princípio da separação dos Poderes.

Não custa recordar que ao Legislativo cabe elaborar as leis, e ao Judiciário, interpretá-las à luz da Constituição. Essa divisão, que compreende ainda o Executivo no exercício da atividade administrativa, é basilar para que existam limites ao exercício do poder e para que, aliada a outros princípios, haja Estado Democrático de Direito. São frequentes, no entanto, casos em que a separação provoca tensões entre os Poderes.

Em junho deste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) julgou ter havido compra de votos durante as eleições e abuso de poder por parte do senador Expedito Júnior (PSDB-RO). Por essas razões, decidiu que seu mandato deveria ser cassado. O Senado, no entanto, deixou o tempo passar, não dando cumprimento à decisão do TSE.

A demora levou o STF (Supremo Tribunal Federal), a mais alta Corte do país, a determinar, na semana passada, que a Mesa Diretora do Senado cumprisse a decisão do TSE e cassasse o mandato de Expedito Júnior. É comum ouvirmos a frase “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Mas, sob alegação de que um recurso do senador deveria ser analisado por uma comissão da Casa, a determinação do Supremo não foi atendida.

Foi o suficiente para que se abrisse uma crise perigosa ao funcionamento das instituições brasileiras. Isso porque, ao se recusar a acatar a decisão do STF, o Senado extrapolou os limites de seu Poder Legislador. Descumpriu a Constituição, se pondo em atrito com o Estado de Direito e abriu espaço para a desarmonia entre os Poderes. Do ponto de vista jurídico, o ato da Mesa do Senado foi totalmente ilícito, nulo.

Somente o Judiciário tem o condão de interpretar de forma definitiva a Constituição. Ao se comportar como fez, o Senado chegou à beira de usurpar o papel jurisdicional do Judiciário. Agiu de forma antirrepublicana, produzindo um verdadeiro ato de polícia que exorbita a legalidade e a ordem constitucional.

O desfecho da crise coube ao próprio Expedito Júnior, que retirou seu recurso e abriu mão do mandato. O caso, por sua vez, deve ficar na memória do brasileiro como exemplo de que, na democracia, não há espaço para o desrespeito às decisões judiciais. Esse exemplo deveria vir dos próprios Poderes constituídos. No caso em questão, do nosso Senado.

Pedro Estevam Serrano é advogado, constitucionalista e professor de Direito da PUC-SP