Veículos de Comunicação

Inclusão

Cordão de girassol é lei, mas falta respeito e compreensão

A maioria da população desconhece o cordão de girassol e a importância do uso para portadores de deficiências ocultas e seus familiares

João victor usa o cordão de girassol há quatro anos e a mãe relata que falta informação. - Reprodução/Arquivo pessoal
João victor usa o cordão de girassol há quatro anos e a mãe relata que falta informação. - Reprodução/Arquivo pessoal

A Lei Federal nº 14.624, que institui o uso do cordão de girassol, foi sancionada no dia 17 de julho deste ano. O acessório pode ser usado por surdos, autistas, pessoas com doenças cognitivas, deficiência intelectual, entre outras, como forma de sinalizar uma necessidade especial, difícil de ser identificada imediatamente, e garantir direitos de acesso e prioridade de atendimento. A nova norma altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).

Entre as inúmeras dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência oculta, a difusão da cultura do uso do cordão de girassol esbarra na falta de conhecimento sobre o assunto e na ausência de uma política pública para dar efetividade à Lei.

Antes mesmo da legislação federal ser sancionada, em Mato Grosso do Sul, desde novembro de 2022, está em vigor a Lei 5.969 que instituiu o uso do item de identificação no estado. Embora tenha sido criada há quase um ano, na prática pouco é observado. 

Questionada sobre como anda a implantação da regra, a Subsecretaria de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência, do Governo do Estado, informou que está sendo realizada a articulação para a criação de um cadastro de pessoas com deficiência. O objetivo é mapear o número de pessoas nesta condição em Mato Grosso do Sul. Em Três Lagoas, 60 pessoas usam o cordão de girassol e todos foram oferecidos pela Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Tres Lagoa (Ama). Além disso, o órgão explicou que busca formas de incentivar a divulgação da legislação e a construção de ações para que o cordão de girassol possa ser distribuído gratuitamente. No entanto, não há prazo para essas ações serem colocadas em prática.

Enquanto isso não acontece, Naina Dibo, presidente PRO D TEA, Associação de pais e responsáveis organizados pela defesa da deficiência e autismo, disse que vê com bons olhos a sanção da Lei, mas confirmou que o que se vê no dia a dia é bem diferente.

Mãe de dois filhos – um deles, João Victor, de 14 anos, autista – Naina explicou que o menino já usava o cordão desde 2019. A ideia que desembarcou no Brasil este ano, já é adotada em outros 30 países. Ela que viaja com a família para o exterior com frequência, lamentou que no país apenas os aeroportos estão preparados para entender o uso do cordão.“No Brasil a gente vê que não é difundido. Meu filho viajava com dois colares do autismo e do girassol. Os aeroportos eram os únicos lugares que estavam preparados para entender o que significava esses cordões. Então existe a necessidade da imprensa divulgar e da gente trabalhar muito com isso para que as pessoas entendam e respeitem essas pessoas”.   

Entre as inúmeras situações vivenciadas com o filho autista, Naina relatou que já passou por diversos constrangimentos, por exigir atendimento prioritário.“O autismo tem como característica o exacerbamento dos sentidos. Então dentro do supermercado, você tem barulho, luz, cheiro, um monte de pessoas perto de você e tudo isso são gatilhos para eles ficarem extremamente irritados. Então é exatamente por isso que você precisa entrar o mais rápido possível, [… ]. Situações constrangedoras já passei inúmeras vezes. Vivi incontáveis. A pessoa pergunta o porquê você está na fila prioritária. Uma vez eu parei na farmácia, eu deixei meu filho sentado do meu lado, e fiquei na fila, eles passavam todo mundo na minha frente, eu falei: moça eu tô aqui. Mas aí ela falou, mas você é preferencial? e eu falei sim […] Nem toda deficiência é visível, né?!”, indagou Naina.

Atualmente para fazer uso do cordão de girassol a pessoa precisa adquirir o item. Em média, o acessório custa entre R$ 10,00  e R$ 20,00. 

Dibo, que participou da criação da Lei Estadual, lamentou que em Mato Grosso do Sul o texto tenha virado letra morta, sem divulgação. “Embora tenha ficado muito feliz com o incentivo do deputado, somente com a lei federal, mais amplamente divulgada em rede nacional, que a gente consegue fazer com que a lei seja mais difundida e as pessoas consigam entender o uso do cordão de girassol”.

Sobre a exigência de comprovação do laudo médico, quando solicitado, a presidente do PRO D TEA  se disse favorável e lembrou de um outro direito, a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). “A Lei do Ciptea, que nasceu aqui em Mato Grosso do Sul, nós temos a possibilidade de já colocar na carteira de identidade o símbolo do autista. Eu concordo sim, que tem que ser mostrado, comprovado. Infelizmente a gente vive no Brasil e tem gente que faz tanta coisa errada só para obter vantagem em cima de quem realmente necessita daquilo”, desabafou indignada.

Esta opinião é compartilhada por Márcio Ximenes Ramos, presidente do Instituto Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (Ismac). Segundo Ramos, é difícil ver pessoas se fazendo passar por deficiência para obter vantagem.“Infelizmente existem pessoas e pessoas. Existem pessoas que gostam de usar vaga reservada em estacionamento, aquelas questões dos abusos, e às vezes as pessoas colocam aquilo para não ser questionada, para não ser indagada. Aqui em Campo Grande a gente sabe de pessoas que não são deficientes visuais que tá com uma bengala – não sei como consegue, como que faz – para descer pela parte da frente e a pessoa não tem deficiência nenhuma”, lamentou Ramos.

Isabelle Leite, administradora, é mãe da Maria de sete anos, diagnosticada com autismo e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Para ela, a instituição da lei possui suas vantagens e desvantagens. Se por um lado dá visibilidade e pode abrir portas, por outro pode amplificar a segregação.“Tem o lado negativo que rotula a criança, que é uma maneira de segregar e tem o lado positivo. A pessoa viu e já sabe que precisa de dar uma atenção para aquela pessoa. Então tem os dois lados da moeda. Se a lei assegura sem você precisar ficar falando, beleza, põe o seu colarzinho e vai. Não é todo mundo que vai saber o que significa, mas com o tempo e com a propagação da informação as pessoas vão conseguir acessar e utilizar no dia a dia”, refletiu Isabelle.  

Além da Subsecretaria de Políticas Públicas para a Pessoa com Deficiência, nós questionamos as secretarias de Estado e Municipal de Saúde de Campo Grande sobre o assunto. Nenhuma delas possui nenhum tipo de ação de distribuição do cordão de girassol.