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Risco à saúde: uso indiscriminado de remédios para dormir é cada vez maior

Alerta para os perigos da automedicação, que, além da dependência, pode ocasionar efeitos colaterais graves

Juberty Antônio de Souza atua na área há mais de quatro décadas. - Duda Schindler/CBN-CG
Juberty Antônio de Souza atua na área há mais de quatro décadas. - Duda Schindler/CBN-CG

A correria do dia a dia, a exigência por alto desempenho nas atividades profissionais, a dificuldade nas relações pessoais. Os fatores que podem afetar a perda da qualidade de vida são diversos. Em busca de aliviar o estresse e a ansiedade ou, simplesmente, dormir de forma contínua, muitas pessoas têm abusado do uso de medicação para o sono. O psiquiatra, integrante do Conselho Regional de Medicina e da Academia de Medicina, Juberty Antônio de Souza, destacou os riscos da automedicação para induzir o sono. De acordo com Juberty, a falta de procura por indicação médica é um dos principais fatores que contribuem para o aumento da dependência e outros problemas associados ao uso desses medicamentos. Segundo o médico, muitas vezes o uso indiscriminado de remédio esconde outros problemas de saúde, como por exemplo, quadros de ansiedade, depressão ou estresse agudo.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou um estudo em 2018  dizendo que eram vendidas cerca de 14 milhões de caixas de um medicamento específico pra induzir ao sono. Agora, depois da pandemia, passa dos 20 milhões de caixas. Então é um crescimento absurdo no uso desse medicamento. Como que o senhor analisa essa situação atualmente? 
Juberty de Souza: Nós precisaríamos dar uma olhada historicamente. O Brasil tinha pouco controle sobre alguns medicamentos, até que a legislação começou a fazer um controle maior.  Mas mesmo assim, nós verificamos que um dos grandes hábitos da população é o da automedicação. E não só da automedicação, mas da indicação por terceiros, mas não médica e nem profissional. Hoje, quem mais indica medicamento para dormir é a vizinha, é o colega de trabalho, é o pai, é o filho, é o namorado, é a namorada. Ou seja, não passa por uma consulta médica. E dessa forma, tudo que nós fazemos de uma forma empírica, nem sempre traz resultados adequados. Às vezes piora o problema. E um dos piores problemas que nós temos é quando isso vai aumentando indiscriminadamente e nós chegamos a ver situações de uma pessoa tomar 30, 40 comprimentos de um medicamento para induzir ao sono, que já não é mais para induzir ao sono, e sim para manter uma alteração fisiológica que a própria medicação provocou. Essa quantidade, para algumas pessoas poderia ser overdose, para outras significa manutenção do vício, manutenção da dependência. Porque essa pessoa que toma 40 comprimidos, é porque foi aumentando de uma forma gradativa de acordo com o que achava que seria necessário  para manter o sono.  Agora, se uma pessoa que não toma nenhum medicamento e começar a usar 20, 30, aí sim considera-se uma overdose.

Quais são os outros riscos de uma pessoa que se automedica com esse tipo de remédio para dormir?
Juberty de Souza: Qualquer preocupação que nós temos, o corpo pode se expressar e duas formas: dor de cabeça, que é um dos sintomas mais comuns, e a alteração do sono, ou seja, a indução ao sono, o sono interrompido ou a insônia terminal. Cada um desses sintomas são sintomas específicos de doenças diferentes. Então, nem sempre a medicação para dormir é o remédio adequado para aquela pessoa que esteja com insônia. A pessoa que se automedica, ou que recebe a indicação de outras pessoas, não tem essa noção. Então, vai utilizando a medicação de uma forma indiscriminada, que às vezes pode dar resultado, mas daqui a pouco um comprimido só não dá resultado, então aumenta, para dois comprimidos, três. Um dos problemas mais preocupantes é quando a pessoa toma o remédio para dormir, aí de repente levanta, faz uma série de coisas, sai, dirige, e não lembra o que aconteceu depois, tecnicamente chama-se estado segundo.  É uma alteração do nível de consciência, nesse caso provocado por medicamento,  em que a pessoa é capaz de fazer atos complexos e não ser registrado na memória. Nós temos uma série de situações dessa forma. O outro problema é quando se faz uso desse tipo de medicamento com bebida alcoólica. Recentemente teve um acidente em Campo Grande, muito grande, muito violento e assustador, e que era justamente por conta disso.

Existem pessoas que realmente não conseguem relaxar ao ponto de ter o sono reparador e acabam fazendo uso da medicação. Mas xistem pessoas que tem o sono regular e, mesmo assim, numa situação de estresse profundo, ou de dificuldade, acabam utilizando o remédio. Como proceder nesses casos?
Juberty de Souza: A insônia é um sintoma. Então, vamos supor que seja uma preocupação excessiva. Será que não está fazendo parte de um estresse agudo?  Será que não está fazendo parte de um quadro de depressão, que é tão mal compreendida pela população?  E para isso, nem sempre o medicamento para dormir é o mais indicado.  E aí, nesse tipo de situação, o ideal não seria medicação para induzir ao sono,  mas sim uma medicação antidepressiva que combateria a depressão  e aí poderia levar à regularização do sono.

E não estamos falando apenas dos remédios para dormir, também temos os ansiolíticos, que são medicamentos que mexem diretamente no nosso cérebro, que são diferentes, por exemplo, daqueles para dor. Sabemos que há vários problemas hoje por conta do uso indiscriminado de medicamentos.  Por exemplo, a questão dos anti-inflamatórios, dos antibióticos. Podemos dizer que estamos diante de uma nova crise, a crise mental?  
Juberty de Souza: Nós vimos no século 20, quando o antibiótico era vendido livremente, a luta que nós tivemos para que o antibiótico passasse a ser considerado  uma medicação controlada. E mesmo assim, hoje, nós temos infecções que são extremamente resistentes a todos os antibióticos conhecidos. A mesma coisa acontece em relação à insônia. Porque pode chegar num momento que nenhum medicamento que habitualmente poderia fazer efeito, não faz mais efeito. E aí existe um mecanismo psicológico do elemento humano, que quando um remédio não dá certo, busca por outro.

Quando um paciente chega com dor ao médico, vocês perguntam, de 0 a 10, qual a escala da dor? E eu lhe pergunto agora, de 0 a 10, qual é a escala da gravidade  do uso indiscriminado de medicamentos na nossa população?
Juberty de Souza: Se eu fosse otimista, eu diria 8, 9. Se eu fosse pessimista, eu diria 11.  Porque o problema é muito grande. Nós temos as especialidades médicas. A ortopedia, psiquiatria, ginecologia, cardiologia, etc. E dentro das especialidades, nós temos áreas de atuação. Então, por exemplo, o ginecologista pode fazer obstetrícia, pode fazer ultrassonografia. O ortopedista pode ser ortopedista geral, de joelho, de mão, etc. E existe uma área de atuação hoje tão importante que é a chamada medicina do sono. E quem é habilitado habitualmente para fazer a medicina do sono  são os psiquiatras, são os neurologistas e são os intensivistas. Isso por conta da importância do problema. Por quê?  Porque tem um significado diferente você ter dificuldade para dormir. Tem um significado diferente você dormir e acordar, dormir e acordar. E tem um significado diferente você dormir até as três,  acordar, e não conseguir dormir mais.  É necessário, então, diante de cada situação apresentada ter mais conhecimento, é necessário saber, obter outras informações para realizar um estudo de caso de cada paciente.