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Concessão Pública

Consórcio Guaicurus tentou segundo reajuste anual, contrariando lei federal

Concessionária do serviço de transporte coletivo em Campo Grande perdeu chance de acordo e teve liminar derrubada no TJMS

Parte da frota do Consórcio Guaicurus, renovada neste ano - Foto: Reprodução/Voxms
Parte da frota do Consórcio Guaicurus, renovada neste ano - Foto: Reprodução/Voxms

Para entender o atual imbróglio judicial entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Guaicurus, responsável pelo serviço de transporte coletivo na cidade, é preciso voltar um pouco no tempo.

O primeiro dia útil do ano de 2022 começou com anúncio de greve dos motoristas contratados pelo Consórcio Guaicurus, sob alegação de que estavam sem reajuste salarial desde 2020 e que as empresas do consórcio (viações Jaguar, São Francisco, Cidade Morena e Campo Grande) se negavam a cumprir o acordo firmado com a categoria.

Por sua vez, o Consórcio Guaicurus reclamava de desequilíbrio econômico no contrato de concessão e vem travando uma batalha contra a Prefeitura da Capital para aumentar o valor da tarifa. Tanto, que em maio de 2019, entrou com uma ação judicial solicitando uma perícia técnica no Contrato de Concessão 330/2012 para provar o déficit financeiro.

Em janeiro do ano passado, o valor da tarifa era de R$ 4,20. O consórcio pleiteava R$ 5,12 mas um decreto municipal limitava a no máximo 5% o índice de reajuste anual. Nesse caso, não podendo exceder ao valor final de R$ 4,41.

A saída para o impasse, na época, foi a criação de uma comissão de estudos técnicos formada por representantes de diversos órgãos, entre eles, Governo do Estado, Ministério Público e Procon. Em um primeiro momento, com aporte financeiro do Governo do Estado e do Município para subsidiar as gratuidades do serviço (R$ 4,2 milhões/ano), a definição de reajuste tarifário em 4,76%, e uma isenção em torno de R$ 7 milhões/ano em ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), as empresas voltaram a negociar valores com os trabalhadores e a greve foi cancelada.

A trégua acabou em poucos meses, quando o consórcio começou a atrasar salários e, novamente, tentar demonstrar que enfrentava desequilíbrio econômico no contrato com o poder público. Motoristas do consórcio fizeram um dia de paralisação e, a partir daí, houve tentativas frustradas de reuniões entre as empresas e a Prefeitura.

Mas ainda em 2022 o Governo Federal teria enviado R$ 14 milhões para custear o transporte público em Campo Grande.

O ano chegou ao fim sem uma solução plausível e sob mais uma ameaça de greve dos trabalhadores do transporte coletivo da capital. E, em janeiro de 2023, a população campo-grandense, que depende de ônibus, enfrentou o caos com mais uma paralisação no serviço.

Em fevereiro, após muita discussão, e um repasse do governo estadual de R$ 10 milhões para cobrir a gratuidade dos estudantes da Rede Estadual de Ensino, Prefeitura e Consórcio entram em acordo. O reajuste anual da tarifa foi fixado em R$ 0,25. 

Com o valor do passe de ônibus a R$ 4,65, os usuários do transporte coletivo voltaram a reclamar das condições do serviço prestado na Capital. Atrasos, veículos velhos e quebrados, redução da frota, pontos e terminais sem manutenção ou infraestrutura adequada, entre outros problemas, vieram à tona.

A frota do consórcio, que chegou a reunir quase 600 ônibus em 2016 (593 conforme laudo técnico pericial), apresentava, no primeiro semestre deste ano, 450 veículos em circulação na cidade, sendo 184 deles com tempo de uso acima do previsto em contrato e que deveriam ser substituídos, conforme levantamento feito pela Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo Grande (Agereg).

Em junho deste ano, foram renovados apenas 71 ônibus da frota. Veículos adquiridos na fábrica, modelos novos, mas que passaram a circular pela cidade com capacidade menor de lotação e sem o sistema de ar condicionado, um conforto essencial para os tempos atuais em que as temperaturas têm subido a cada ano, por conta dos fenômenos climáticos.

Neste ano de 2023 foram feitos aportes do Governo do Estado na casa de R$ 10 milhões e de R$19 milhões do Município, que teriam sido repassados ao Consórcio para subsidiar o valor da passagem de estudantes, idosos e portadores de necessidades especiais. 

Enquanto isso, o pedido do Consórcio para uma análise técnica no Contrato de Concessão caminhou a passos lentos na Justiça. Somente agora, quatro anos depois de ingressar com a ação, saiu o resultado. A perícia não confirmou a tese de déficit tarifário.

Mesmo assim, no mês passado, a juíza da 4ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, concedeu uma liminar atendendo ao pedido do Consórcio Guaicurus, ordenando que o poder executivo reajustasse os valores da passagem de ônibus na Capital.

O Município recorreu sob o argumento de que não poderia cumprir a decisão porque houve aumento da tarifa em março deste ano e, conforme a Lei Federal 10.192/2001 só poderia ocorrer outro reajuste após um intervalo de 12 meses. O Tribunal de Justiça aceitou o recurso e no último dia 11 suspendeu a liminar até o julgamento do mérito.

Nesta semana, uma audiência de conciliação foi realizada para tentar um acordo sobre o aumento anual da tarifa para o ano de 2024. Após uma hora e meia de discussão entre representantes do Consórcio Guaicurus, da Agereg, da Procuradoria-geral do Município, com a presença da prefeita Adriane Lopes, não houve entendimento. 

A Prefeitura afirmou que o consórcio não cumpriu o prazo para repassar dados que são usados pela Agereg para definir o valor da nova tarifa técnica, base do reajuste anual que será feito no próximo ano, o que atrasou os trabalhos. A data base para a formação da tarifa técnica é o mês de outubro.

Para 2024, a continuar esse impasse, os mais impactados, novamente, serão os milhares de usuários do transporte coletivo da Capital, além dos funcionários do consórcio que, há anos, lutam por melhorias salariais e na jornada de trabalho.