Veículos de Comunicação

Pandemia

O heroísmo dos profissionais da saúde

A História nos ensina que é diante de desafios inauditos, no confronto com as grandes tragédias – ou na iminência delas – quando avultam a grandeza de espírito, a têmpera e a determinação de homens raros, capazes de inspirar e liderar os que vão se submeter ao sacrifício, muitas vezes da própria vida, em defesa do Bem coletivo. Seja esse Bem a liberdade, ameaçada pela tirania; os direi-tos fundamentais, afrontados pela barbárie; ou a vida de milhões de seres humanos, exposta ao risco de dizimação em todos os cantos do planeta, como ocorre hoje.

Quando falamos desses homens raros, logo nos ocorre a figura extraordinária de Winston Chur-chill, cuja liderança e determinação lhe permitiram consolidar a aliança que derrotaria o nazismo, preservando os valores da Civilização e aniquilando a insanidade brutal representada pelo projeto de dominação genocida de Hitler.
Porém, o heroísmo que aflora em momentos como o que vivemos hoje, de grave crise sanitária global, é de gênese diferente daquele que confere a estadistas, guerreiros ou pacifistas, altar perma-nente no memorial da História.

Os heróis deste momento traumático para toda a humanidade, assolada pelo fantasma tão invisí-vel quanto real e ameaçador do novo coronavírus, são da estirpe dos que se engrandecem no ano-nimato – que honroso paradoxo! – da entrega absoluta à luta desafiadora, temerária, para salvar vidas alcançadas pela covid-19.

Os profissionais da saúde são esses autênticos heróis de uma guerra que se trava ao redor do mundo, contra um inimigo desconhecido e perigosamente mortal.

Ao contrário dos soldados que, nas guerras que ainda agora atormentam dezenas de milhões de pessoas, portam armas mortíferas para abater inimigos que odeiam sem conhecer, médicos, enfer-meiros, técnicos e todo o dedicado pessoal que lhes dá suporte, estão aquartelados em hospitais e unidades de saúde, onde se dedicam até o extremo de sua competência e de sua capacidade física para salvar as vítimas abatidas pelo novo coronavírus.
Esses heróis travam uma luta insana e, não raro, desigual – pela falta de equipamentos vitais e de outros recursos médicos e terapêuticos – e desumana, pelos plantões duplos ou triplos, isolamen-to familiar e exposição ao vírus, de cujos malefícios tentam livrar seus pacientes.

Infelizmente, milhares desses combatentes têm sido infectados e muitos morrem vitimados pela covid-19. Não por acaso, o nome que ficará como referência trágica dessas mortes em batalhas con-tra o novo coronavírus é o do jovem médico oftalmologista chinês Li Wenliang, que trabalhava no Hospital Central de Wuhan.

Ele foi um dos primeiros a alertar sobre o surto. Por isso foi investigado e repreendido pelas auto-ridades chinesas, sob a pérfida acusação de “espalhar boatos”. Morreu a 6 fevereiro, vítima da co-vid-19, quando a doença ainda não tinha essa designação e Wuhan marchava para se tornar o epicentro da pandemia na China.

Em países como Itália e Espanha, onde a pandemia fugiu ao controle, o número dos “combaten-tes de jaleco branco” – no dizer da imprensa desses países – contaminados pelo novo coronavírus chegava a quase doze mil no último dia 30. Somente na Itália eram mais 6,4 mil profissionais de saúde infectados, e nada menos que setenta médicos haviam morrido em decorrência da covid-19.

Esses números dramáticos dão bem a dimensão do nível de estresse a que são submetidos médi-cos, enfermeiros e todo o pessoal de apoio que estão na linha de frente do combate à pandemia. 

No Brasil, onde, segundo autoridades e especialistas, a expansão do contágio atingirá seu ápice nas próximas semanas – com a concreta ameaça de saturação da rede hospitalar – já tivemos cente-nas de profissionais de saúde infectados, com a morte de pelo menos dois médicos vitimados pela covid-19.

Como em nosso país o auge da penosíssima guerra contra esse inimigo implacável se avizinha, a nação tem certeza de que conta, mais do que em qualquer outro momento de sua história, com a competência e a extrema dedicação dos nossos “combatentes de jaleco branco”.

 

*Iran Coelho das Neves – É presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul