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Covid-19: até onde as contas públicas aguentam?

Como todo brasileiro, desde o início de março de 2020 estou absolutamente fascinada por esse tema: como a humanidade vai superar os efeitos da Covid-19. O fato é que esse cenário tem mostrado o quanto as economias do planeta são vulneráveis a essa “gripezinha” e o quanto as instituições e autoridades públicas estão desarticuladas entre si. Devemos ter em perspectiva que “não vale garantir a economia com perdas de vidas”, mas até que ponto os governos do Brasil e do mundo estão preparados para pagar essa conta? 

No ótimo ted talk gravado há cinco anos, Bill Gates já perguntava e respondia: A próxima epidemia? Não estamos preparados. Na ocasião esse “visionário” que se autointitula “um técnico apaixonado e um empresário astuto”, e que mudou o mundo enquanto liderava a Microsoft®, comentava que a terrível epidemia global do Ebola havia sido evitada graças a milhares de generosos profissionais de saúde e graças também a muita sorte. Na ocasião, Bill Gates então profetizou que aquela “era a hora de colocar todas as nossas boas ideias em prática, de planejamento de cenários a treinamento de profissionais de saúde”. Nos tranquilizava de que não havia razão para pânico, mas que era preciso nos apressarmos.

O cenário que vivemos nos mostra que nada disso aconteceu. Agora nos deparamos com medidas que travam economias do mundo todo da noite para o dia. Como vidas estão em jogo, não há margem para erros. Políticos e profissionais da saúde estão o tempo todo na mídia nos alertando sobre a gravidade do problema. Mas, cadê os nossos especialistas em contas públicas? O que pensam os administradores, contadores e economistas que estão diuturnamente movendo todos os esforços (sim, eles também merecem palmas!) para que os insumos cheguem a tempo de atender a população? De onde sairão todos os recursos necessários já que a máquina pública não pode parar?

No Brasil, estamos sempre nesse ciclo vicioso que se perpetua: como não tenho dinheiro, pego emprestado; como pego dinheiro emprestado, tenho de pagar juros; como tenho de pagar juros, cada vez mais tenho menos dinheiro; como cada vez mais tenho menos dinheiro, pego dinheiro emprestado. Eu disse “pego” na primeira pessoa porque quem paga essa conta somos todos nós, não existe “dinheiro do governo”, “dívida do governo”.

Não se engane: esse dinheiro sai direto do nosso bolso! Em conversa com o prof. José Matias-Pereira, um dos maiores especialistas em finanças públicas do Brasil e que há 45 trabalha e estuda o tema, discutimos que um sistema econômico não funciona de maneira estanque. 

Nas palavras do meu querido mestre “não há como só o setor A, B e C funcionar e esquecer ou deixar paralisado os setores D, E e F, é fundamental que se entenda que a economia é algo integrado e que precisa funcionar de maneira muito bem organizada”. Vejamos o exemplo do álcool gel: de nada adianta manter uma farmácia aberta se a empresa que fabrica a embalagem para acondicionar esse produto não está entregando a sua parte.

Com o tempo, teremos pouco álcool gel disponível no mercado (o que já está acontecendo), e a lei da oferta e procura vai fazer com que o preço se eleve até que o último álcool gel seja vendido, porque não haverá reposição nas prateleiras da farmácia porque a empresa que deveria fabricar o frasco interrompeu sua produção.

Então, como definir o que é serviço essencial e não essencial? Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, o economista Armínio Fraga destaca alguns progressos que já aconteceram: a mobilização emergencial para oferta de leitos e equipamentos, a abertura de uma linha de credito para pequenas e médias empresas e a aprovação para a canalização de recursos para a família de baixa renda. E oferece como proposta que uma estratégia seja feita em quatro frentes: além da médica, logística e assistencial, que uma seja voltada para evitar a falência das empresas.

Também alerta que o espaço fiscal das contas públicas não é infinito, deixando a lição de que “um Estado eficaz e financeiramente equilibrado apontaria para um futuro mais próspero e justo, e daria mais espaço para as respostas à crise.” O fato é que ainda não sabemos o melhor caminho a seguir, mas é preciso garantir a economia para que vidas sejam preservadas.

Diana Vaz de Lima* 
professora de contabilidade pública da Universidade de Brasília