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Entrevista

Impactos da pandemia na saúde mental viram temas de estudos na psicologia

Seres humanos não são acostumados a viver sem liberdade e, por isso, sentimos tanto, avalia doutor em psicologia da UCDB

Em entrevista à Rádio CBN Campo Grande, o Coordenador do Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco, Márcio Luis Costa, falou ao jornalista Ginez Cesar, sobre a educação relacionada à saúde mental. Possivelmente 2020 será um ano de muitas novas linhas de frente de pesquisa em relação à Covid-19. Diante disso, questionamentos como o que a doença provocou nas organizações, empresas, famílias são feitas.                                                                    

Percebemos que foi um ano complicado, turbulento para a saúde mental. Muitas pesquisas vão surgir a partir desse momento para os próximos anos, com o objetivo de tentar identificar, de forma mais aprofundada, os efeitos de uma pandemia na população. Confira os principais pontos abordados.

Professor, quando falamos sobre pesquisa na área de psicologia, em relação à pandemia, este foi um ano com muito material importante para quem vai fazer pesquisa?

Márcio Com certeza. Quando eu falo de pesquisa, gosto muito de pensar a pesquisa em termos de cenário. Nós temos hoje, uma pandemia com características muito próprias, e também em muitos casos um cenário muito assustador, já que nos privou da liberdade, nos deixando trancados em casa, nos obrigando a migrar de atividades presenciais para atividades remotas, nos estacionando na frente da tela de um computador em que chegamos a ficar entre oito e dez horas por dia, tendo que dialogar com essa superfície plana e brilhosa que se nos apresenta, onde pessoas estão do outro lado e tentamos construir uma interação e vemos como é difícil. A pandemia nos privou de uma série de coisas que eram normais, importantes e em muitas vezes gratificantes. Eu vejo esse quadro como um cenário de privações e limitações, mas também um cenário que nos obrigou a repensar. Nos recolocar e nos obrigou, em muitos sentidos, até mesmo nos reinventar.

Uma das privações, talvez mais sofrida, é a da convivência social.  Do ponto de vista da psicologia, a convivência social, sendo tirada de forma forçada, por conta de uma pandemia, pode provocar vários efeitos na pessoa?
Márcio Com certeza. Desde Aristóteles, por exemplo, na Grécia antiga, que se compreendia o ser humano como um animal político, da cidade, da convivência, que pertence a um espaço de encontros, movimentos e também de desencontros, mas faz parte. Então, sermos repentinamente, já que não tivemos tempo de fazer uma transição, retirados desse espaço, consequentemente produz impacto negativo, marcando as pessoas e produzindo efeitos. 
Uma outra coisa que nos impactou foi uma derivação dessa perda da possibilidade do movimento no espaço social. É o confinamento, que mesmo quando em casa, com a família, em um espaço doméstico, conhecido, qual se tem certo domínio, confortável em alguns casos, pode ser exaustivo.
É isso que está produzindo efeitos e impactando as pessoas de uma maneira importante. Primeiro que não temos a tradição do confinamento. Uma das nossas liberdades fundamentais, constitucionalmente garantidas, é a de ir e vir, que passou para segundo plano nessa pandemia
Acredito que isso, sem dúvida alguma, cria uma situação de impacto e pode, em muitos casos, se transformar em condição para o adoecimento mental ou para o aparecimento de doenças como a depressão e ansiedade. Dependendo de como se administra o espaço de convivência familiar, o estresse pode aumentar. Agora só temos um espaço doméstico, de lazer e trabalho. Eu não sei se somos capazes de suportar isso por muito tempo.

Para quem entra em um curso de mestrado e doutorado em psicologia, possivelmente terá muitas linhas de pesquisas relacionadas à Covid-19?
Márcio Sim, e não só relacionadas como voltadas de forma intencional sobre fenômenos psíquicos, sociais, psicossociais, que se constroem a partir dessa situação que estamos vivendo, de contingência, em função de uma pandemia, em termos de saúde pública.
Há muitas pesquisas, programas em todo o mundo, tratando disso. Essa questão da experiência da pandemia pode ser matizada de muitas formas. Posso estudar o comportamento na família, nas atividades escolares a distância. Também é possível pesquisar o tema das correlações que existem nesses fenômenos, nas medidas de saúde mental e trabalho, nas organizações, por exemplo. As pesquisas também podem estar relacionadas sobre em que medida essas novas modalidades de relação de trabalho, familiar e social, dentro dos parâmetros de uma sociedade organizada, para enfrentar a pandemia, podem afetar as pessoas. E como aqueles que foram afetados podem construir, de outra maneira, suas relações. Então há uma série de oportunidades de pesquisa, sem dúvida alguma, sobre a questão da pandemia.