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A conta da marolinha

Crise derruba arrecadação e leva governo a cortar no orçamento

Avisos não faltaram. A arrecadação de tributos federais não tinha como continuar registrando recordes de expansão em 2009, como vinha ocorrendo desde 2007, mesmo que a crise internacional não tivesse eclodido, em setembro do ano passado. Antes disso, a economia mundial já dava sinais de esgotamento de um ciclo de prosperidade, do qual o Brasil se valeu para aumentar suas exportações, criar empregos e acumular reservas. O mais prudente teria sido não comprometer o Orçamento da União com o aumento dos gastos correntes, especialmente com a folha de pessoal. São despesas perenes que engessam a gestão do caixa. Nos últimos dois anos, foram criados nada menos do que 85 mil cargos na administração federal e concedidos aumentos generosos ao funcionalismo, gerando impactos até 2012. Se todos os aumentos prometidos forem liberados, a estimativa para este ano é de elevação para R$ 170 bilhões as despesas com o pessoal da União, mais que o dobro (126,6%) dos R$ 75 bilhões pagos em 2002.

Agora, o governo se encontra em situação delicada. Precisa aumentar o ritmo dos investimentos públicos, baixar os impostos para incentivar a atividade econômica e, ao mesmo tempo, encarar a conta dos aumentos prometidos. Justo nessa hora sofre com o mais óbvio dos efeitos da crise: a receita está minguando rapidamente. A arrecadação de fevereiro teve queda real (já descontada a inflação) de 27% em relação a janeiro, já incluídos os recolhimentos para a Previdência Social. Em comparação com fevereiro do ano passado, a perda real foi de 11,5%. No acumulado de janeiro e fevereiro, a arrecadação foi 9,11% menor do que a do primeiro bimestre de 2008. É o pior resultado em mais de 10 anos. De acordo com a Receita Federal, essa derrocada da arrecadação se deveu principalmente ao recuo de mais de 17% na produção industrial de janeiro. Também pesou o corte localizado do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em relação aos automóveis. Outro efeito negativo da crise foi observado na lucratividade das empresas no último trimestre, o que influenciou no recolhimento do Imposto de Renda e das contribuições sobre o lucro.

Não é certo que essa queda vai se repetir nos próximos meses, mas ninguém pode se arriscar a manter o ritmo dos gastos. Faz sentido, portanto, o corte de R$ 21,6 no Orçamento deste ano, anunciado ontem. O importante, já que a projeção de gastos foi exagerada e o caixa terá menos dinheiro, é que os cortes não comprometam a própria saída da crise. Por enquanto, garante o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a redução do superávit primário será apenas informal, de 3,8% para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), com a contabilização de 0,5 ponto percentual a título de Projeto Piloto de Investimentos (PPI), já acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O que não está claro é como o governo vai manter a promessa de pagamento das parcelas dos aumentos acordados com o funcionalismo, com impacto calculado em R$ 30 bilhões, a partir de junho, caso as receitas não se recuperem. Quer dizer que, até lá, os investimentos correm o risco de continuar no papel, atrasando a criação de empregos e a retomada da economia.