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'Superendividamento' não é questão moral, mas sim de mercado', diz Longo

Estamos vivendo uma das piores crises econômicas brasileira e mundial, pois a pandemia aumentou substancialmente este cenário

Estamos vivendo uma das piores crises econômicas brasileira e mundial, pois a pandemia aumentou substancialmente este cenário - Divulgação
Estamos vivendo uma das piores crises econômicas brasileira e mundial, pois a pandemia aumentou substancialmente este cenário - Divulgação

Há um ano entrou em vigor uma lei que alterou o Código do Consumidor e estabelece uma série de medidas para evitar o chamado “superendividamento”. A legislação aumenta a proteção de quem tem muitas dívidas e não consegue pagá-las e cria alguns instrumentos para conter abusos na oferta de crédito. 

Anteriormente, o consumidor não tinha nenhum amparo judicial, como já acontecia com a pessoa jurídica, que poderia abrir concordata, lei de falência, recuperação fiscal, entre outros mecanismos.

A lei também passa a proibir qualquer tipo de assédio ou pressão para seduzir os consumidores. Essa ferramenta jurídica se torna importante neste cenário atual, pois de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de brasileiros endividados bateu novo recorde em abril: 77,7% das famílias brasileiras fecharam o mês com alguma dívida, contra 77,5% em março. 

Na comparação com abril do ano passado, quando a parcela de endividados correspondia a 67,5% do total, o salto foi de 10,2 pontos percentuais. Ainda conforme o órgão, esse aumento foi puxado pelo maior uso do cartão de crédito dos consumidores.

Para falar sobre a legislação, o Jornal do Povo entrevistou o advogado e doutor em Direito Empresarial, Marcelo Longo, que detalhou como os consumidores podem recorrer à legislação. 

Neste cenário, qual a melhor formas das famílias renegociarem as dívidas contraídas, ainda mais no período mais crítico da pandemia?

Marcelo Longo É importante dizer o seguinte. Estamos vivendo uma das piores crises econômicas brasileira e mundial, pois a pandemia aumentou substancialmente este cenário. Porém, a boa notícia é que há um ano foi sancionada a Lei do Superendividamento, que tem a função de proteger os bons pagadores e resolver a sua situação junto ao Judiciário.

As famílias não se endividam porque querem, pois existem vários fatores para isso, como: custo de vida elevado, aluguel em alta, plano de saúde aumentando, desemprego alto, entre outros. Portanto, ao contrário do que muita gente pensa, essa lei foi criada para proteger o consumidor de boa fé, que para manter a família, acabam se enfiando em dívidas dos cartões de crédito, cheque especial, empréstimos consignados, entre outras armadilhas financeiras.
    
Como os consumidores podem utilizar essa ferramenta jurídica para resolver pendências financeiras?

Longo O consumidor pode solicitar uma audiência de conciliação, junto ao Poder Judiciário, e ele pode usar o art. 104, que irá reunir todos os credores, sejam eles de cartão de crédito, conta de luz, financiamentos da casa, automóveis, para tentar renegociar as dívidas e obter descontos nos juros dela. O credor, por sua parte, tem de entender que essa é a melhor forma de receber.

Além disso, a legislação também desmistificou a questão da moralidade, as famílias não devem porque querem, isso nada mais é que uma questão de mercado. Quando você retira o poder de consumo delas, a economia do geral perde, já que as classes C, C e E, representam a maior parcela da população brasileira. A economia é como uma catraca, se você retirar alguns ‘dentes dela’, você compromete todo o mecanismo.

Esse tipo de legislação corre em outros países?

Longo Na minha tese de doutorado em Direito Empresarial, eu fazia estudos sobre o assunto e acabei verificando que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia, recomendava que os países do continente elaborassem esses tipos de legislações para facilitar a vida dos consumidores.

Eu verifiquei exemplos em Portugal e na Espanha, que tratavam a insolvência das famílias como algo muito sério, pois como já disse, ela atrapalha o mercado econômico. 
    
Porque no Brasil, apenas no ano passado, foi sancionada esse tipo de lei?

Longo Existem projetos nesse sentido desde 2012. Porém, enquanto o empresário já tinha a recuperação judicial, a antiga concordata, o devedor físico não tinha nenhum tipo de amparo jurídico. Agora que a legislação começou a ser aplicada, poderemos ver os resultados positivos que ela poderá trazer.  

Falta ainda um educação financeira adequada para que o consumidor brasileiro saiba lidar, de forma saudável, com o crédito?

Longo No início da década de 90, nós tivemos no Brasil a expansão do crédito, porém, nós brasileiros, não tínhamos uma educação financeira adequada. Portanto, a gente não sabia  com o que estávamos se endividando, como: cheque especial, cartões de crédito, crediário em lojas de móveis, entre outras ferramentas de crédito. Essa nova legislação não vem apenas para proteger as pessoas, mas sim para criar nelas a educação necessária para lidar de forma saudável com o bolso.

Nós precisamos saber que usar o crédito, com moderação pode ser benéfico. Porém, sem responsabilidade, podemos cair em armadilhas obtidas nele. Não devemos demonizar as instituições financeiras, mas sim orientar os consumidores na responsabilidade de lidar com seu dinheiro.  Eu aredito que essa mudança deva acontecer na base, ou seja, no banco escolar. Devemos ensinar nossas crianças a lider com seu orçamento desde a primeira infância e a escola pode ser um ferrementa primordial nessa mudança de mentalidade.
       
As empresas e instituições bancárias estão mais abertas, hoje, para realizar essas renegociações?

Longo: Sim, pois hoje com a legislação, é estimular a criação e garantir ao consumidor acesso os chmados ‘leilões limpa nome’. Essa parceria entre as empresas, pode colocar em um mesmo ambiemnte e data, todos os seu credores. Ou seja, a lei garante ainda mais esse mecanismo.

Caso um credor não aceite estar nesse local, a lei nos permite instaurar um proceso de superindividamento. Onde é apresentado um plano para que a pessoa consiga sair desse proceso, que por muitas vezes, pode levar a depressão e até a morte. Volto afirmar, não é uma questão moral, mas sim um reflexo da crise em que atravessamos.