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Entrevista

MS enfrentará uma das maiores estiagens dos últimos 24 anos

Outono/Inverno indica altas temperatura e forte seca, com possibilidade de bater o recorde de 98 dias sem chuva em 2024

Outono/Inverno indica altas temperatura e forte seca, com possibilidade de bater o recorde de 98 dias sem chuva em 2024 - Duda schindler/CBN
Outono/Inverno indica altas temperatura e forte seca, com possibilidade de bater o recorde de 98 dias sem chuva em 2024 - Duda schindler/CBN

Grandes amplitudes térmicas, altas temperaturas e forte estiagem aguardam os sul-mato-grossenses nos próximos meses de acordo com o prognóstico do meteorologista Natálio Abrahão. A estação de transição entre o Verão e o Inverno é conhecida pelas temperaturas mais amenas, porém, com as mudanças climáticas e o desmatamento, trazem a possibilidade de um dos períodos mais secos já vividos por Mato Grosso do Sul. O Outono chegou ao estado na última terça-feira (19) e já requer cuidados e planejamento. 
 

Quais são os fatores que influenciarão para um Outono/Inverno mais quente e seco?
NATÁLIO Abrahão Estamos sob a influência do fenômeno El Niño, que reflete a temperatura mais elevada do que as médias na faixa do Equador, no Oceano Pacifico. Quando essas águas estão mais aquecidas, a tendência é maior evaporação e formação de nuvens. O El Niño contribui para Mato Grosso do Sul, porque o agricultor sabe que pode ampliar a área de plantio e que as chuvas tendem a ser mais regulares, mas estamos no fim do fenômeno. Em meados de abril, entraremos numa condição de neutralidade e as águas reduzem essas temperaturas. Para a América do Sul, a neutralidade não bloqueia as frentes frias do Sul da Argentina, mas cria algumas dificuldades. As frentes frias poderão atingir os litorais do Brasil e, em consequência, juntamente com a umidade da Amazônia, poderemos ter chuvas isoladas e não contínuas.

Essa neutralidade deve seguir até quando? 
Natálio Abrahão
No máximo,  dois meses. Se a neutralidade continuar em declínio, como os modelos estão indicando, voltaremos a ter um novo La Niña, porque as águas no Oceano Pacífico ficarão mais frias lentamente. Se o El Niño é bom para Mato Grosso do Sul, La Niña não é bom. Essa condição entraria em meados de setembro e seguiria até o começo do ano que vem, no plantio da safra de verão.

Diante de todo esse cenário, neste ano, como devem ficar as temperaturas?
NATÁLIO Abrahão
Nós vamos ter um Outono com temperaturas que não serão muito baixas. O calor persiste e a influência do El Niño fará com que a atmosfera perca calor e entre naquele processo em que as pessoas sentem o friozinho da manhã, usam o casaco e 9h já têm que tirar. Nós teremos ainda o mês de março com calor e, na mudança de El Niño para neutro, haverá algum episódio de calor, mas com as temperaturas, em geral, abaixo de 20ºC. As temperaturas mínimas vão cair muito lentamente e teremos raros episódios com temperaturas abaixo de 18ºC, já no fim de abril. 

Por que as estações estão tão diferentes daquilo que a gente tinha no passado? 
nATÁLIO Abrahão
Por causa da atividade humana, principalmente os combustíveis fósseis e o desmatamento. Hoje, Mato Grosso do Sul tem pouca vegetação primária, a que prevalece é nas regiões Norte e Noroeste do Estado. E nós ainda temos queimadas contribuindo com as mudanças climáticas e o aquecimento global. Desde 2011, temos visto um declínio nas médias pluviométricas em Miranda, Porto Murtinho, Corumbá e Ladário. No passado, eram registrados 87 milímetros de chuvas em abril e, hoje, em Corumbá está abaixo de 50 milímetros. É uma perda de 30% a 40% na média histórica de chuva e continua ‘ladeira abaixo’. A tendência é que as chuvas fiquem cada vez mais esparsas, mais isoladas e com menos volume.

De que modo as temperaturas podem contribuir para a tomada de decisão do Poder Público, principalmente na saúde? 
NATÁLIO Abrahão
As temperaturas vão influenciar diretamente em alguns trabalhos e estratégias de prefeituras e órgãos públicos. Quando nós temos temperaturas abaixo de 18ºC, elas interferem na eclosão do ovo do mosquito Aedes aegypti. É causa e efeito. Quando nós tivermos o primeiro frio, imediatamente o processo biológico de eclosão de ovos cai. Se hoje nós estamos com até 200 casos de dengue por dia, os números vão cair para 10 ou 15 casos. Então, o frio é um fator auxiliar e vai interferir nas ações contra a dengue que estão ocorrendo agora. Desde setembro do ano passado, houve chuvas e temperaturas acima da média e esse ovo do mosquito da dengue eclode dentro de uma hora a partir de 26ºC em ambiente com água. Com 27ºC, demora 30 minutos e, na média de 28ºC, o ovo eclode em 10 minutos. Então, a velocidade de multiplicação do mosquito é relacionada com água e temperatura. Ao contrário, os vírus da gripe H1N1 e H3N2 precisam de temperaturas mais baixas para circularem. Logo, com o frio, os casos de dengue diminuem e pode abrir o alerta para as gripes. Podem ser tomadas decisões em cima disso, como antecipar ou não a vacina, ou até mesmo programar a limpeza de quintais e terrenos. Por exemplo, se houver previsão de uma massa de ar frio para o dia 10, até o dia 8 tudo deve estar limpo, porque a partir disso o mosquito entra em um processo de latência. É a biologia que faz esses caminhos.

E como fica a amplitude térmica nessa estação?
Natálio Abrahão
Na média, para Campo Grande reflete as variações de amplitude para o Estado. Nós poderemos ter em torno de vinte graus na mínima e trinta e três na máxima, ou seja, uma amplitude diária em torno de doze a catorze graus por dia. A diferença entre a temperatura mínima da manhã e a máxima da tarde fará com que as variações ocorram com mais frequência e com mais intensidade. Principalmente porque é o período em que a umidade relativa será muito baixa. O prognóstico indica que nós teremos um dos períodos de estiagem mais intensos dos últimos 24 anos. A maior estiagem que já tivemos foi em 1991, com 98 dias sem chuva. 

Mato Grosso do Sul poderá então bater essa marca dos 98 dias? 
Natálio Abrahão
Se chegar próximo a isso, ou até sessenta dias consecutivos sem chuva, já será um ânimo para o estado, porque a tendência é ficar muitos dias sem chuva. Quando ela ocorrer, será em torno de um milímetro, o que é pouco. Não teremos um outono confortável. Esperamos que o produtor rural e o comércio saibam se planejar para amenizar prováveis prejuízos com as mudanças do clima.