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A crise de Lula

Ao contrário da economia brasileira, a imagem do presidente Lula vinha resistindo muito bem à crise. Sua popularidade chegou até a crescer desde setembro, quando a economia global começou a afundar de vez, levando junto a brasileira.
Mas enquanto nosso PIB encolhia 3,6% no último trimestre de 2008, o presidente e seus ministros, mais notadamente a 24h/dia candidata Dilma Rousseff e o panglossiano Guido "4%" Mantega, diziam que a maior crise global desde a Grande Depressão dos anos 1930 seria aqui apenas uma "marolinha", um "resfriado".
Lula dava de conselhos jocosos a pitos indignados em Bush e depois Obama, como se a crise fosse só deles, e nós soubéssemos melhor o que fazer.
Por algum tempo, parece ter funcionado. A aprovação de Lula chegou a crescer em novembro, alcançando o recorde histórico de 70%.
E é fácil entender os motivos. Ao manter como prioridade máxima a estabilidade macroeconômica, Lula ajudou a levar o Brasil ao seu melhor momento histórico.
Crescíamos a quase 7% ao ano, num ciclo virtuoso de altas vigorosas nos investimentos, no consumo das famílias, no emprego e na renda.
Mas se Lula tem méritos por esse crescimento, a (falsa e agora atacada) exuberância da economia global era sua importante parceira, com oferta quase ilimitada de capital e de consumidores para a produção brasileira.
Com a explosão da megabolha global, o crédito e os consumidores sumiram, fazendo ruir também o discurso lulista.
A divulgação dos dados do PIBinho no início deste mês expôs ao ridículo a retórica de Guido Mantega, por exemplo, de que o país cresceria 4% em 2009. A realidade atropelou o discurso.
O blábláblá róseo do governo, justificado como forma de estimular os agentes econômicos para que o pânico não alavancasse ainda mais a crise externa por aqui, ficou parecendo mais falta de informação, falta de direção, falta de gravidade.
Parte da população parece ter entendido melhor a situação. O Datafolha aponta para isso. A aprovação de Lula recuou 5 pontos percentuais, para 65%, enquanto subiram a expectativa de desemprego e a percepção da crise.
É verdade que o país pode se sair muito melhor que a maioria deste colapso. E sofrer muito menos que nos anteriores.
Nossa economia avançou muito nos quase 15 anos do Plano Real. Temos reservas significativas, um mercado interno revigorado e o crédito ainda em expansão em meio ao credicínio geral.
Lula, pai dos pobres, mãe dos ricos, fechou o consenso em torno da estabilidade. E mostrou sua capacidade de liderança como a ponte possível até aqui entre as distantes extremidades do Brasil.
Sua aprovação segue a anos-luz do melhor patamar de seus antecessores. Programas assistenciais como o Bolsa Família e os aumentos no salário mínimo ainda lhe rendem uma mística quase divina entre milhões e milhões de brasileiros. No Nordeste, sua aprovação ainda é de 77%!
Mas ficou muito mais difícil governar.
Se antes sua incapacidade de realizar reformas e promover grandes investimentos em infraestrutura e sua generosidade irresponsável com o funcionalismo público passavam quase despercebidas, hoje são vultos a assombrá-lo.
E só se fala em crise, em desemprego e na corrupção desembestada da política brasileira, para a qual seu governo muito contribui.
Lula balança, diminui. Mas ainda é muito maior do que os antilulistas radicais desejariam. O jogo político, porém, pode ficar bem menos desequilibrado se o retrato do Datafolha se tornar uma tendência.
Vai depender do próprio Lula, mas mais ainda de uma crise global contra a qual ele tem menos recursos do que imaginava.

Sérgio Malbergier é editor de Economia