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Opinião

A Lanchonete

Incomoda-me a sensação de conflito quando estou a passeio em algum lugar, distraído da rotina ou fazendo o possível para desfrutar dos minutos de ociosidade. Tento esquecer que as dificuldades e as mazelas existem, ou colocá-las um pouco de lado, mas não dá. Coça a orelha.
Quando falo de conflito, refiro-me ao que tantas vezes fechamos os olhos ou fingimos não ver para não sentir a dor que não merecemos, como a dura vida de mendigos, pedintes, viciados e outros gêneros de excluídos e sofredores.
Ao fim, acabo tendo que aceitar os conflitos quando menos espero e faço, em seguida, algumas reflexões sobre a situação antes que eu perca a oportunidade de entravar uma nova discussão construtiva. E parece que, nestes momentos, nosso pensamento atinge maior fluidez.
Uma dessas ocorreu enquanto eu pagava a conta de uma refeição rápida numa lanchonete e notei que vários funcionários que estavam de frente na cozinha me olhavam como que tentando expressar algo. O recinto era aberto para satisfação dos clientes desconfiados. Virou moda esse acesso facilitado às cozinhas nos estabelecimentos que trabalham com refeição. De duas, uma: ou é para provar que o lugar tem higiene ou para desafiar a coragem do cliente.
Pensei que estivesse ficando louco. Será que lhes incomodava o fato de eu estar passeando, alimentando-me e de certa forma divertindo-me com os amigos no fim de semana enquanto eles tinham que suportar o calor que se levantava da chapa e um turno extenuante de serviço? A imaginação aflora.
Melhor se fosse por outra razão. Mas, espera! Não tinha um abacaxi na cabeça, nem a beleza de um galã de cinema, nem fiz nada que merecesse olhares tão perscrutadores vindos de um mesmo grupo de trabalhadores.
Quer saber? Tempos depois, nessa incerteza de crise econômica mundial em que não tem um santo que se salva nem vela que suporte ficar muito tempo acesa, concluí que eu é que deveria ter-lhes olhado daquela maneira e pensado que, com o aumento crescente do desemprego no mundo, eu os invejava porque eles tinham motivos para comemorar de estar aí.
E os números têm comprovado esta atitude porque o desemprego é um tema que se revigorou no mundo, voltou para inquietar os analistas e os tomadores de decisão como um problema mal resolvido.
No fim de janeiro, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), anunciou que este ano de 2009 poderá representar a perda de até 51 milhões de empregos devido à crise econômica mundial. Este número indica a previsão mais nefasta.
Conflitos que aparecem em hora errada têm serventia porque mostram que o prazer se confunde com a dor, a diversão com a infelicidade, e a incerteza com a dúvida.
Valorizo a informação que se lê na expressão facial antes mesmo de os lábios vibrarem, ainda que tenha continuado sem saber qual foi a mensagem intencional na lanchonete. De qualquer maneira, agora comunico sobre a do desemprego, que, esta sim, vai perseguir muitos enquanto por aí se fala da tal da crise.
Crise e desemprego são duas palavras impactantes que voltaram a compor o nosso cotidiano. Queria mesmo poder tomar o lanche nas margens dos conflitos.


Bruno Peron Loureiro é analista de desenvolvimento e relações internacionais