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Opinião

A ?Mecanização? do direito: Uma desconstrução do ensino jurídico

A “benéfica” democratização do ensino jurídico mudou paradigmas estruturais na vivência acadêmica, facilitando a intensa criação de cursos jurídicos, quadruplicando o número de instituições em menos de duas décadas. A abertura cinematográfica do acesso ao curso de direito viabilizou a massificação na formação de bacharéis, fato que gera,no mercado de trabalho, milhões de almas sedentas por um lugar ao sol, causando uma dúvida pertinente sobre a condição desses profissionais para o exercício das habilidades jurídicas. A única “forma visível” de controle da “qualidade intelectual” é o Exame de Ordem, cuja aprovação garante registro profissional na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade que vem demonstrando uma contradição técnico-jurídica em suas próprias seleções. 

A grave crise do ensino jurídico vem-se conformando com a repetida crítica sobre a morosidade do Judiciário, pois as universidades entregam todo seu “material pensante” para ser utilizado como mão de obra barata, que acaba por reproduzir em larga escala os mesmo vícios jurídicos. É a ideia da “educação bancária”, concebida por Paulo Freire como o procedimento metodológico de ensino que privilegia o ato de repetição e memorização do conteúdo ensinado.


A universidade vem moldando-separa transformar os alunos em “operários do direito”, deixando de desenvolver a “força motriz” do direito (o pensar), e o fruto dessa atuação desastrosa é falta de investimento na capacitação dos professores acadêmicos que se veem cada vez mais tomados pelo capitalismo. O discursode alguns “docentes”, que produzem em sala de aula peças teatrais sobre sua árdua aprovação em concurso público, transforma muitos alunos em sonhadores supérfluos que só imaginam cédulas de reais caindo sobre suas cabeças. Sonhadores que“trocam” seus propósitos primordiais por frases românticas ligadas a ferramentas ágeis que facilitam sua aprovação em concursos públicos e o tão sonhado viés de estabilidade financeira.


Um fenômeno notávelvem-se replicando nos cursos jurídicos, causando temor aos amantes do direito, pois se tem observado que, à medidaque os alunos vãoavançando nos semestres,o desinteresse vai aumentando ea curiosidade, a vontade de “mudar o mundo”, a indignação diante dos problemas enfrentados no curso vão diminuindo. Transformam-se em um cavalo paraguaio: perdem aquela fonte revolucionária que outrora detinham, e os seres pensantes dão lugar a jovens inertes e pensamentos alienados.


É necessária, para a “manutenção sadia” do ensino jurídico, uma nova atuação do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED), que, na década de 1960,tirou a ciência jurídica nacional de um coma profundo e reavivou a verdadeira essência do direito, que é a luta pela exclusão da mesmice jurídica.


O intuito não é generalizar; é apenas alertar que o “buraco negro jurídico” está sugando almas inocentes e transformando-as em estagiários capitalistas. A solução da problemática está em responder à seguinte indagação: Queremos formar operadores do direito ou operários do direito?
 
*Tiago de Sousa Moraes: Acadêmico do Curso de Direito da UFMS e Caroline Leite de Camargo: Professora de Direito da UFMS de Três Lagoas