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A qualidade da água e a qualidade de vida no planeta

Água limpa para um mundo saudável. Definido pela Organização das Nações Unidas, ONU, o tema do dia Mundial da Água 2010 chama a atenção para o fato de que a qualidade de vida no planeta depende diretamente da qualidade dos recursos hídricos. A escolha não poderia ser mais pertinente. A humanidade vive hoje os primeiros capítulos de uma crise de escassez, que tende a se aprofundar nas próximas décadas, caso não sejam tomadas ações globais no sentido de promover o uso sustentável do recurso. Se considerarmos as projeções de que 6,4 bilhões de pessoas estarão morando em áreas urbanas até 2050, contra os atuais 3,4 bilhões, o impasse é ainda mais evidente. 
Em todo o mundo, a qualidade da água vem declinando drasticamente, resultado da rápida urbanização, do desperdício e da falta de tratamento sanitário e industrial adequado. Segundo a ONU, 32% da população mundial permanece sem acesso a saneamento básico. Todos os dias, dois milhões de toneladas de dejetos e outros efluentes são lançados diretamente em águas superficiais. O problema é ainda mais grave nos países em desenvolvimento, onde 90% do esgoto e 70% dos efluentes industriais têm como destinos mares, rios, lagos.  O organismo defende que o investimento para sanar deficiências globais com relação a serviços de saneamento e abastecimento d e água potável (são 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água limpa) é pequeno diante dos benefícios sociais e de saúde pública. O cálculo é que para cada dólar investido, tem-se retorno entre US$ 3 e 34, sob a forma de incremento da produtividade e de economia de gastos com saúde. Não custa lembrar que doenças que se propagam pela água, como a cólera, são a causa da morte de 1,5 milhão de crianças a cada ano.
Especialmente nos centros urbanos, a deterioração dos recursos hídricos já compromete tanto a qualidade de vida das pessoas como o abastecimento. O município de São Paulo (SP), por exemplo, apesar da localização na confluência de vários rios, vai buscar água a mais de 300 quilômetros de distância, porque as fontes próximas foram tomadas pela poluição. Para levar água até a capital, todo um sistema com canais de abastecimento, reservatórios e represas precisa ser criado. E para cada represa e reservatório construídos, temos desmatamento e, portanto, alteração na distribuição natural de água das regiões afetadas. É a contaminação gerando mais desequilíbrio ambiental.
Mais barato e eficiente do que o investimento nesses sistemas ou na despoluição de mananciais é a gestão sustentável e permanente dos recursos hídricos. E é aqui que o uso racional se insere. Afinal, menos consumo é igual a menos poluição. Infelizmente, o que vemos hoje no Brasil são iniciativas voltadas mais para o aumento da produção de água do que para a diminuição do seu uso. Não à toa somos um dos grandes consumidores do planeta, com índice de 200 litros de água/dia, ou duas vezes mais do que o observado em países como Portugal, Bélgica, Alemanha e Republica Tcheca, que se destacam entre os mais responsáveis em relação ao uso da água.
O interessante é que não faltam alternativas para alcançarmos um padrão sustentável de consumo. Uma solução relativamente simples e que já foi adota em algumas regiões é a substituição de equipamentos gastadores por produtos economizadores (por exemplo, válvulas e bacias sanitárias que consomem 6 litros de água por acionamento, em vez de 12 ou até mais de 20 litros). Nos Estados Unidos, os cidadãos de Nova York e Austin contaram com financiamentos para realizar a troca. Na primeira cidade, a economia gerada chegou a 216 milhões de litros de água por dia. No Brasil, produtos economizadores são fabricados desde 2003, por norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT. Porém, até agora, n&ati lde;o foram oferecidos quaisquer benefícios para modernização da rede hidráulica de residências, escritórios e empresas, e nem mesmo para a instalação desses produtos em construções novas. Outras soluções viáveis para racionalizar o consumo, mas ainda pouco disseminadas, são o reuso da água e o aproveitamento de águas pluviais para fins não-potáveis, como irrigação de jardins e limpeza.
Uma questão que concerne especialmente ao Brasil, como grande potência do agronegócio que é, é sobre o incremento da produtividade do uso da água na produção de alimentos. Por aqui, a atividade responde por 70% do consumo de água e também é apontada entre as que contribuem para a contaminação das fontes hídricas. Estimativas indicam que, para cada quilo de arroz produzido, são gastos quase dois mil litros de água. Já a produção de um quilo de soja, a nossa principal commodity, consome 1,8 mil litros. Melhorar esses indicadores é importante não apenas para evitar um colapso no abastecimento futuro, mas também para assegurar que a produção de alimentos seja compatível com o crescimento populacional esperado. Uma medida simples e que já poderia estar valendo é incentivar os agricultores a utilizar técnicas mais eficientes de irrigação, como a por gotejamento, em substituição à irrigação por aspersão, a mais utilizada atualmente.
Diz o artigo sétimo da Declaração Universal dos Direitos da Água, documento lançado pela ONU em 1992, quando o Dia Mundial da Água foi instituído, que a “a água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada”. Neste 22 de março de 2010, afirmo que não estamos observando essa premissa. Da universalização do saneamento à mudança nos padrões de consumo, são muitos os desafios colocados para as próximas décadas. Água limpa é vida e, se o desejo é por um mundo saudável, é preciso que pessoas, comunidades e governos assumam um compromisso com a conservação desse bem natural tão precioso.

Carlos Lemos da Costa é engenheiro, diretor da H2C, empresa de consultoria e planejamento de uso racional da água