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As etiquetas

Acompanhei, dia desses, um amigo enquanto ele passava nas casas de pessoas conhecidas para oferecer produtos que ele traz frequentemente do Texas, Estados Unidos, como bermudas, calças, relógios e sapatos. Ainda se acha que tudo o que vem dos países desenvolvidos é de melhor qualidade e, se puder conseguir por preços mais baixos, leva-se vantagem.
Nas sacolas, havia bens de consumo que se vendem nos centros comerciais e lojas de grife dos nossos países latino-americanos por preços até duas vezes superiores aos que ele pagava nos Estados Unidos. Assim, é lucrativo para ele sair da capital mexicana em direção à fronteira entre Tamaulipas e Texas para adquiri-los do outro lado e revendê-los.
Eu não contava com um fato, porém. No momento em que ele esvaziava as sacolas e mostrava os produtos aos clientes, dei-me conta de que a etiqueta do tênis notificava “Made in China”, enquanto a das calças dizia “Made in Bangladesh”, e assim por diante. Não encontrei nenhum produto que tivesse sido feito nos Estados Unidos.
Muitos bens que são trazidos dos países desenvolvidos sequer foram produzidos lá, porém essa passagem temporária certifica uma relação de perda de vínculo territorial, divisão internacional do trabalho (redução de custos, terceirização da exploração da mão-de-obra, desencargo de leis trabalhistas), confiabilidade na procedência (enquanto ainda se acredita que o deles é melhor).
Os Estados Unidos são a vitrina das tendências econômicas: compras, grifes, viagens e crises. Oculta-se o sangramento em outras partes do mundo para sustentar este modelo. A China, por sua vez, segue ao pé da letra o que a industrialização desordenada trouxe de maléfico: poluição atmosférica, mão-de-obra mal paga e descartável, desigualdades econômicas e sociais.
Não quis, contudo, ocupar estas linhas com críticas focalizadas em algum país, senão para recordar a sensatez de que, na pior das hipóteses do que se poderia fazer para melhorar nossas condições de desenvolvimento, cidades latino-americanas poderiam substituir a função das estadunidenses de fronteira e ser também comerciais e atrair incentivos fiscais ao próprio país.
Em parte, esse desnível se deve à sobrecarga tributária sobre o comércio de produtos estrangeiros; em outra, à sobrevalorização pelos consumidores do que vem de fora. No Brasil, não faz sentido criar uma zona comercial deste porte em lugares de reserva ambiental, nem aceitar que por muito tempo houve o fluxo descomunal de importados pela Ciudad del Este, no Paraguai.
Setores amplos da economia movimentam-se nestas cidades comerciais, como o de hotéis, restaurantes, bancos, lojas. Entra mais renda ao país. O sacoleiro viaja de outras regiões em busca de produtos mais baratos, que não deixariam de ser “importados”, e precisa almoçar, hospedar-se, sacar dinheiro de caixa eletrônico, usar o transporte. Poderíamos ter maiores incentivos em distintas cidades e regiões para a circulação de mercadorias.
Enquanto isso não acontece, os estadunidenses se saem bem e vendem seus produtos “americanos”. Até que alguém desconfie e leia as etiquetas.

Bruno Peron Loureiro é bacharel em Relações Internacionais.