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Atualidades? Atualize-se!

Muito se reclama da mão pesada dos vestibulares sobre o Ensino Médio. O programa dos exames universitários impõe, em grande medida, o conjunto de conteúdos curriculares das escolas básicas, fazendo com que o currículo se torne inchado e pouco arejado. No caso da Fuvest, por exemplo, cada um dos institutos da Universidade de São Paulo (USP) se reúne anualmente para elencar os temas que devem ser contemplados nos exames, sem levar em conta o papel da escola e do Ensino Médio, em particular, na formação do aluno como um todo – e não apenas no preparo para o vestibular.
Isso já seria problemático se estivéssemos pensando apenas na USP. Cada universidade pública faz o mesmo, em um efeito cascata que desaba sobre o programa curricular das escolas. Essa influência é bastante conhecida dos educadores. De resolução complexa, justificou o surgimento do advento do Enem e a recente reforma do Ensino Médio proposta pelo Conselho Nacional de Educação. É uma discussão em aberto, que provavelmente trará bons frutos.
Não é esse, porém, o tema deste artigo. Queremos tratar de um efeito positivo dos vestibulares sobre as escolas, que vem ficando cada vez mais radicalizado. É a questão do foco nas questões da atualidade.
Há algum tempo, atualidades eram aqueles assuntos ocorridos ao longo dos últimos anos, quando a massa principal dos conhecimentos transmitidos nas salas de aula tinha décadas ou séculos de existência. Muitas vezes eram tendências genéricas, como a preocupação ambiental ou o esfacelamento do comunismo. Os próprios livros didáticos eram capazes de acompanhar uma ou outra mudança, e era atual um texto que chegasse pelo menos aos anos 1980.
Isso mudou muito. Em um mundo caracterizado pela inédita velocidade das transformações, o tema “Atualidades” agora se refere a acontecimentos de importância nacional ou planetária que podem ter acontecido há poucas semanas. O mundo não se move mais como lentas jogadas de xadrez. Está mais para uma partida de tênis de mesa, e tirar os olhos da bolinha pode levar ao fim da partida.
Por isso, escolas e alunos que se preparam para os vestibulares de 2011, acautelai-vos, como diriam os antigos. Os livros didáticos não dão conta da velocidade das mudanças e é o professor que deve estar atento para fazer de sua aula um espaço para a discussão do novo. Questão nuclear, mudanças climáticas, terremotos, redes sociais, código florestal, crise financeira mundial, revoluções no mundo islâmico – enfim, os assuntos estampados nas manchetes dos jornais mais recentes estão na ordem do dia.
Mais do que isso: não serão cobrados nos exames como fatos estanques, que requerem só boa memória. Os acontecimentos da atualidade entram nos vestibulares como ingredientes de raciocínios cada vez mais complexos e análises cada vez mais críticas. Como os fatos se juntam? Como os conhecimentos aprendidos na escola podem nos ajudar a compreendê-los? A que passado respondem e em que direção apontam? Ou ainda além: como o aluno desenvolve um ponto de vista e de que lado esse ponto de vista o posiciona nas discussões que envolvem toda a sociedade?
Como se vê, tratar de atualidades não é apenas incluir mais um capítulo na lista de conteúdos. É reorientar o pensamento pedagógico da escola e a estratégia das aulas. Essa perspectiva se cruza diretamente com outro desafio da educação contemporânea: tornar o ensino mais significativo.
Muitas vezes, pela forma como os temas são trabalhados em sala, os alunos são induzidos a pensar, por exemplo, que aprender matemática e ciências é necessário apenas para aqueles que serão pesquisadores ou seguirão carreiras nas áreas de exatas e de tecnologia. A realidade é muito diferente: o pensamento lógico e científico é necessário para o exercício da cidadania, para se ler uma bula de remédio, para entender questões ambientais que afetam o futuro, para compreender o noticiário.
Assim, o foco no entendimento das questões da atualidade é uma oportunidade excelente para que nossas escolas mostrem aos alunos que boa parte do que aprendem não é para satisfazer os examinadores, mas para que sejam homens e mulheres de seu tempo, com maiores chances de se realizarem e transformarem o mundo.
Por isso, esse movimento reforçado pelo Enem e presente nos melhores vestibulares do país é muito salutar. Está mais do que na hora de nós, educadores, deixarmos de formar jovens que olham apenas para o passado. É necessário torná-los aptos a compreender este presente tão complexo, para que sejam capazes de mudar nosso futuro.
 
Fabrício Vieira de Moraes é coordenador pedagógico da Divisão de Sistemas de Ensino da Editora Saraiva