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Café da manhã na roça

O título deste artigo pode parecer algo de nostálgico ou saudosista, mas não é este o objetivo. Ele tem por finalidade valorizar atividades acadêmicas de campo desenvolvidas pelos professores da UFMS, Campus de Três Lagoas, acerca do  modo de vida camponês que, diga-se, não tem nada de atrasado em relação ao modo de vida urbano. Muito se discute que a  Universidade, enquanto instituição pública, tem deixado a desejar em relação a que se refere o retorno de sua produção científica  para a sociedade. Porém, é necessário destacar que  não se pode generalizar, uma vez que  no Câmpus da UFMS de Três Lagoas,  temos  professores que fazem a discussão teórica em sala de aula, o que é imprescindível para o aprendizado,  e  também todos os anos realizam saídas de campo para fazer o confronto das teorias debatidas em sala de aula com a realidade. Neste caso, o trabalho de campo refere-se  a questão agrária e os movimentos sociais do campo.
É importante que os alunos possam, no contato direto com os camponeses, perceber, por exemplo,  que milho se planta e que dá muito trabalho ao camponês até chegar em forma de alimento na nossa mesa. É necessário que os alunos ouçam dos próprios sem terra que a conquista de um pedaço de terra foi resultado de muita luta, sofrimento e humilhação. Compreender o porquê do analfabetismo no campo ainda ser grande ou entender porque muita criança do campo tem dificuldades de acompanhar o processo de aprendizado na cidade. Ouvir dos próprios camponeses  que a educação na cidade é direcionada para os alunos da cidade e não tem nada a ver com a realidade vivenciada cotidianamente  no campo. Ou mesmo ver e sentir de perto como é o dia a dia de uma colega de sala de aula  que é assentada, entender seus dilemas  para poder realizar um sonho que é ingressar na Universidade e conseguir completar um curso superior. Por exemplo, saber que a pequena distancia assentamento-Universidade pode ser um abismo em dia de chuva a impedir  muitas vezes a  colega  de ir à  aula. 
Ouvir como um camponês e uma camponesa semi-analfabetos têm um conhecimento, um saber próprio, adquirido na luta do dia a dia. Um saber e conhecimento que não se adquire sentado em sala de aula, portanto não pode existir hierarquia  entre os conhecimentos, na verdade eles se completam.  A forma amorosa e harmoniosa que se relacionam com a natureza. A preocupação que tem com a preservação do ambiente em que vivem e que isso está relacionado com o amor que eles têm com o ambiente em que vivem, portanto razão e emoção não devem estar separados.
Os acadêmicos também puderam conhecer de como é produzido o leite, que é comprado na cidade diariamente. Os avanços e limites da comercialização do leite foram discutidos diretamente com os sujeitos, passam a saber que  o leite que é produzido nos 46 lotes do assentamento São Joaquim, em Castilho, é armazenado nos resfriadores instalados no próprio assentamento, bem como o cuidado com a higiene na hora do armazenamento do leite por parte das próprias famílias produtoras que estão organizadas em associações.  Assim, por meio dessa troca de conhecimentos, podem desmistificar certos preconceitos e inverdades que são semeados na cidade pelos meios de comunicação social de que os sem terra são baderneiros, são preguiçosos e que só querem a terra para em seguida poderem vender. Ou então de que não adianta o governo distribuir terra para quem não é da terra porque não tem aptidão agrícola e não vai nela permanecer. Neste sentido, qual seja a potencialidade da Reforma Agrária, destacamos o caso de um senhor, de  66 anos, assentado há sete anos, cujo passado é de uma pessoa  que nunca trabalhou  na roça, mas que diante do apoio do Estado, nesse caso de funcionários do Itesp, pode  se adaptar ao modo de vida camponês e melhorar sua qualidade de vida. Como ele mesmo testemunhou,  quando vivia na cidade, já aos 20 anos de idade, “vivia cansado”. Segundo ele o povo da cidade, de um modo geral, “vive cansado”  por causa da pressão do patrão que exige produtividade, pelo medo da violência urbana, pela rigidez dos horários de trabalho ou pelos vícios adquiridos. Hoje ele se sente num “pique” de vida que acredita ultrapassar os oitenta anos de vida tranquilamente porque encontrou seu canto, sua morada da vida na roça.
Foi surpreendente ver a alegria estampada no rosto do grupo de mulheres do assentamento por  servir um farta mesa do café da manhã aos acadêmicos e professores, recheada de pães variados, queijo, requeijão, beiju, doces, café, leite e sucos. Todos os 45 acadêmicos e professores puderam comer à vontade e ainda ficaram sobras. É o milagre da partilha camponesa. E como eles mesmos disseram: “   as vezes falta  o dinheiro, mas a felicidade não”,  porque eles tem uma casa para morar, são  donos do seu tempo e podem produzir alimentos para matar a fome.

Mieceslau Kudlavicz é da CPT/MS e mestrando em Geografia pela UFMS