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Cinismo global

O encontro entre os presidentes Lula e Barack Obama na Casa Branca, no sábado, teve um simbolismo importante para o Brasil.
O norte-americano não apenas dedicou o dobro do tempo inicialmente previsto ao brasileiro como se dispôs a longa entrevista. Jornalistas veteranos que acompanharam o evento ficaram surpresos com o tempo dedicado por um presidente norte-americano ao representante de outro país.
De prático, porém, nada aconteceu.
Foram agendados outros "grupos de trabalho" bilaterais e autoridades dos dois países ficaram de conversar e tentar amarrar ideias antes da próxima reunião do G20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo, Brasil incluso). O encontro ocorrerá no início de abril, no Reino Unido, para onde os líderes desses países vão se deslocar.
A reunião do G20 tentará afinar medidas conjuntas para combater a pior crise econômica desde a década de 1930. É ainda mais duvidoso que algo de prático saia de mais este evento.
Em novembro de 2008, em Washington, o G20 já esteve reunido. A principal promessa dos seus representantes, exposta em comunicado oficial, foi quebrada em questão de semanas.
Os líderes haviam concordado em não adotar medidas protecionistas por um prazo de 12 meses. O que se viu, dos EUA à Rússia, do Canadá à China e até no Brasil (que ensaiou uma limitação burocrática às importações) foi exatamente o contrário.
O comércio mundial deve afundar 3% neste ano, segundo previsão já considerada otimista do FMI. Enquanto os países ensaiam falações sobre cooperação e se preparam para voar para o G20, na prática ocorre exatamente o contrário.
Alguns exemplos do incrível cinismo das lideranças mundiais:
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, está exigindo das montadoras de seu país que tiverem de cortar produção por causa da crise que o façam apenas nas filiais fora da França. Isso de modo a manter os empregos franceses e eventualmente abastecer o mercado mundial com exportações da França.
Uma série de países (Canadá, Alemanha, Rússia, Austrália e França, entre outros) adotou neste ano pelo menos uma ou mais nova regulação para a entrada de investimentos estrangeiros produtivos. O objetivo é limitar setores que criam poucos empregos mas que produzem grandes lucros, que depois podem ser repatriados.
Nos EUA, o novo pacote de estímulo à economia de quase US$ 800 bilhões manteve a cláusula "Buy American". Ela obriga que o dinheiro público usado em obras de infraestrutura pague somente por ferro e aço produzidos nos EUA.
Na Suíça, Japão, Nova Zelândia e Reino Unido há cada vez mais pressão para que esses países encontrem maneiras de desvalorizar suas moedas de forma a tornar seus produtos mais baratos no exterior, e assim reanimar o setor exportador. A Suíça já teve sucesso, e o franco suíço perdeu 3,3% de seu valor frente o euro e 2,5% frente o dólar só na semana passada.
Na União Europeia, vai ficando cada vez mais claro que a "união" só é boa em tempos de bonança. Neste momento, as economias mais fortes como França e Alemanha estão se mostrando pouco dispostas a estender a mão (e o bolso) a países mais fracos e altamente endividados, como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha.
Por fim, o premiê chinês, Wen Jiabao, simplesmente acaba de declarar que está "bastante preocupado" com a solvência dos EUA, onde os chineses têm cerca de 70% dos US$ 2 trilhões de suas reservas internacionais aplicados. A declaração não podia vir em pior hora, ao colocar em dúvida a sustentabilidade americana quando os EUA cavam um rombo de US$ 1,7 trilhão em seu Orçamento.
Para quem precisa desse tipo de sincronia, não é preciso sequer pegar um avião.

Fernando Canzian é repórter especial