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Das redes sociais para as ruas

Desde 1992 – ano dos caras pintadas pró-impeachment do Collor– recorrente era o sentimento de nossa sociedade adulta:  tristemente baixa é a capacidade de mobilização dos nossos jovens. Salvo exceções, perderam o nobreza da indignação diante dos problemas sociais e políticos, em um país com milhões de estudantes bem nutridos, bem instruídos, com tempo disponível e, no entanto, consumistas, hedonistas e sem qualquer participação comunitária. Poucos são os jovens que conhecem a crua e nua realidade da periferia de sua cidade ou que movem alguma ação concreta para debelar a perversa condição de miserabilidade de outros milhões de brasileiros. Anestesiados pelo Facebook, o qual representa um mundo tão cheio de encantos, onde todos gostariam de morar. Um quase hino à apatia, a maioria dos jovens pratica o refrão de Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar". No entanto, essa bela música tem um estribilho reparador: “mas meu coração é nobre.” Manifestações nas ruas? Só em parada gay e marcha da maconha – era a zoada. 

Hoje esses adultos, estupefatos, miram uma outra paisagem: hordas desses jovens assumem as ruas, motivados pelas redes sociais. De início, um movimento desconexo com a realidade desses jovens – lutar contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus. Como a maioria dos insurgentes pertence à classe média e não é usuária de ônibus, não tardaram  blagues ferinas: por que não reivindicar a redução da passagem para Miami? Mas os protestos ganharam musculatura, ampliou-se a faixa etária e social dos participantes  e boas causas se incorporam ao movimento:  malversação do dinheiro público, injustiça social, corrupção, impunidade, violência, saúde, educação. E como se fosse uma aspiração nacional, uma faixa se fazia oportuna: "Desculpem os transtornos, estamos mudando o Brasil". Em meio aos bons propósitos, e nada mais previsível, há sim  vândalos, arruaceiros, pichadores, criminalizando o movimento. 


Essas  duas últimas décadas foram de tibieza e inércia, em meio a uma profusão de boas causas. Agora  o frenesi que está no DNA da juventude  se manifesta sem as grandes lideranças das campanhas dos movimentos estudantis de 1968, das Diretas Já, dos caras pintadas. Pouco ou nada dos lídimos aglutinadores dos anseios da sociedade, como a UNE, UBES, UPE, DCE. Falta-lhes representatividade, capacidade de mobilização ou se desgastaram com suas participações político-partidárias. 


Os governantes de diversas cidades, cedendo à pressão popular, anunciaram a redução das passagens, e o movimento até recrudesceu. Um novo grito ecoa das ruas: "a luta não é só pelos 20 centavos, é por direitos". Uma metáfora para prever o futuro dessas manifestações: eram brasas adormecidas sob as cinzas, estas encimadas por gravetos. Na primavera árabe, as chamas atingiram não só o lenho, mas todo o paiol, derrubando governos não democráticos em vários países e num assomo de beligerância, a Síria já causou mais de 100 mil mortes. Estamos longe desta realidade pelo caráter preponderantemente pacífico das manifestações e somos um país consolidado democraticamente, com reconhecidas imperfeições.  “A democracia é o pior regime que existe, mas ainda não inventaram outro melhor”- palavras do maior estadista do séc. XX, Winston Churchill. 
 
Nas  duas décadas que aqui convivemos com a apatia da juventude, nesse ínterim, eclodiram passeatas com quebra-quebras em Nova Iorque, Londres, Los Angeles, Santiago, Buenos Aires, Madri, Davos, etc., com resultados pontuais e nada nefastos. Até onde a vista alcança, no caso brasileiro o paiol está salvaguardado, porém é inegável que os gravetos estão em chamas, quando se considera que 250 mil pessoas foram às ruas para protestar já na primeira 2ª-feira, após o início do movimento. Chamas que geram calor, e muita luz para os políticos e para os cidadãos.


*Jacir J. Venturi, professor, autor de livros e presidente das escolas particulares do Paraná ( SINEPE/PR)