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Descriminalizar ou não o consumo de drogas? Reflexões necessárias

 Um dos fundamentos utilizados para racionalizar com foros de legitimidade a tese da descriminalização do uso de drogas ancora-se na filosofia de John Stuart Mill para quem a sociedade não poderia ter qualquer jurisdição sobre as condutas que dissessem respeito às próprias pessoas, isto é, condutas cujos efeitos se exaurissem nas próprias pessoas que as praticaram.

Acaciana a constatação de que o uso de drogas prejudica a própria pessoa que usa. A questão, porém, é menos simples: é que o Brasil criminaliza a conduta de quem pratica o tráfico das mesmas drogas cujo uso pretendem descriminalizar.

Logo, o consumo de drogas não é daquelas condutas que dizem respeito apenas a quem as consome, uma vez que oconsumo pressupõe a sua aquisição e esta é danosa à coletividade como conduta criminosa equiparada aos hediondos delitos.

Ao adquirir para o próprio consumo, fomentam-se o tráfico e todas as suas violentas manifestações laterais (organizações criminosas, lavagem de dinheiro, corrupção, etc) de forma que, no mínimo, inadequada a invocação de Stuart Mill como suporte filosófico a estruturar a tese descriminalizatória.

Outro argumento, este mais sofisticado, da mesma corrente descriminalizante, sustenta que a intervenção do Direito Penal é imprópria para a contenção desta modalidade comportamental porque traz consigo o efeito da estigmatização e os malefícios do encarceramento, quando, em verdade, necessitam de retaguarda médica.

Concordo que o dependente não deva ser submetido à severidade do sistema penal, razão por que defendo que em relação a estes prevaleça o tratamento médico e jamais a prisão. Ocorre que sem normatização proibitiva que assegure ao Estado o direito de punir os usuários não-dependentes, não há instrumento legal que possibilite aferir a dependência dos demais usuários. O Direito Penal e o processo penal, portanto, são as única vias capacitadas para distinguirem os que devem ser criminalmente punidos daqueles que devem ser submetidos à tratamento médico.

Aferida a dependência, o Estado responderá medicamente, mas em virtude da intervenção penal; não constatada a dependência, o arsenal punitivo deve ser acionado para reprimir a conduta. A estigmatização derivada da mediação penal pode ser minimizada ou anulada por disposição legal que obrigue o Estado a deferir e possibilitar, em caráter liminar, a realização de exame toxicológico no usuário antes que qualquer medida cautelar supressiva de liberdade lhe seja impingida.

Certo, ninguém é obrigado a se auto-incriminar, óbice à adesão voluntária ao exame. Neste caso, porém, o refratário, por sua decisão, avaliza o impulso processual penal com todas os desdobramentos que encerra, de forma que não se poderá atribuir ao Estado o protagonismo da estigmatização.

Interessante observar que, exceto nos casos de procura espontânea ou voluntária do dependente aos centros de atendimento psicossocial, a visibilidade pública dos dependentes perpassa o sistema penal, porque o uso, no primeiro momento da percepção estatal, é transgressão à lei.

Sem tergiversar, porque o tema requer objetividade: o discurso da descriminalização do uso de drogas para consumo próprio carrega em seu ventre a potencial descriminalização do tráfico com a consequente estatização da produção e distribuição de drogas para os usuários mediante normatização de todas as etapas, inclusive, identificação de usuários. A estratégia política é facilmente assimilável e precisa ser amplamente conhecida e debatida por toda a população.

 Demonizar o discurso da descriminalização é um erro capital que só nos afastará de conclusões razoáveis. A pauta requer menos militância apaixonada e mais racionalidade nas ponderações. Discutamos, pois, sem preconceitos as questões mais graves que sombreiam o tema:

a)       A propalada derrota do Estado no combate às drogas justificaria a descriminalização?

b)       Eventual descriminalização estimularia novos e potenciais consumidores?

c)       Qual o cenário de uma sociedade cujo Estado patrocinasse a regulamentação da produção, da distribuição e do consumo de drogas?

d)       O tráfico ilícito desapareceria com o tráfico lícito?

e)       O perfil da criminalidade e da clientela do sistema prisional brasileiro sofreria impactos positivos ou negativos à sociedade?

f)        O sistema econômico, cultural e social que dita os padrões de pensamento e comportamento atuais os dias induz as pessoas ao uso de substâncias que alteram o funcionamento normal da mente? Sendo positiva a resposta, como reagirmos a esta tensão no caso de se descriminalizar as drogas?

g)       E a fabricação de drogas cada vez mais agressivas e deletérias aos seres humanos, deverão também ser incluídas na lista daquelas isentas de proibição penal? 

Nosso mandato está aberto a estas relevantes questões que se relacionam diretamente ao seu presente e ao futuro de quem você ama. Portanto, mãos à obra e encaremos logo a dura realidade deste problema! 

Fábio Trad é deputado federal