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Editorial: Razões para querer não pagar o pato

Em Três Lagoas o motorista que vê seu carro cada dia mais batendo lata

Uma campanha regional, que ganha corpo e cresce a cada dia e que possui força suficiente para avançar por todo o País, promete ser a nova dor de cabeça do governo federal, em tempos de recriação do imposto do cheque, a CPMF. A campanha “não aceito pagar o pato” usa um jargão popular, muito conhecido, para demonstrar a rejeição do brasileiro a qualquer elevação da já tão pesada carga tributária.

Aqui mesmo em Três Lagoas ou em qualquer outra cidade brasileira, o cidadão que quiser comprar, por exemplo, um par de tênis, não vai escapar de pagar 58% do preço do produto apenas em impostos. E não se pode encaixar nesta cobrança a alegação de que em Mato Grosso do Sul o ICMS é mais caro para o consumidor do que em outros Estados, mesmo que esta seja uma das fontes da receita da fatia de que o governo estadual abre mão para estimular a instalação de empresas. Em todo o País é assim: metade do valor de um par de tênis é composto por tributos federais, estaduais e municipais.

Fator semelhante ocorre com o preço de celulares. Quem pensa em trocar um aparelho, para se atualizar quanto a funcionalidades ou simplesmente para “andar na moda”, fique sabendo que 58% do preço final irão para o caixa dos governos nas três instâncias. O mesmo ocorre com as tarifas de telefonia celular, que só de ICMS é composta em quase um quarto dovalor final da conta paga pelo consumidor.

Em tudo o que se compra ou que se contrata em serviços no País, uma mordida de impostos ocorre em toda a cadeia de produção, desde o fornecedor de matéria-prima até o varejista, o transportador e assim por diante. E quem paga por tudo isso é o consumidor, que já tem outra pesada carga de descontos em seu salário e rendimentos.

Por isso, o mote da campanha criada por líderes de entidades empresariais de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio e outros Estados possui força para avançar.

Acrescente-se a isto, o custo de erros orçamentários do governo federal, a má execução de orçamentos de Estados e da União e, é claro, a corrupção. É aí que mora o tal pato. O contribuinte não concorda em ter a carga de impostos elevada por conta de uma cascata de cobranças e para consertar erros administrativos e políticos de nenhum governo. Para agravar, o cidadão não vê o retorno de seus impostos convertidos em serviços públicos de qualidade.

Quando vê seu salário ser achatado, preços de itens de consumo subirem por conta de impostos e serviços públicos sucateados, o cidadão não quer mesmo pagar o pato e financiar, ainda mais, erros administrativos, políticos, fundo partidário, financiamento público de campanha, além do desperdício que circula pelo ralo do cofre público.  

Em Três Lagoas, por exemplo, o motorista que vê seu carro cada dia mais batendo lata, avariado pelo trânsito nas ruas de terra ou com asfalto esburacado, logo se lembra do caríssimo IPVA que é obrigado a pagar todos os anos para não ser penalizado ainda mais, com multas.

Metade do valor deste tributo fica automaticamente no caixa da prefeitura da cidade. Mas, sua utilização não vai diretamente para a conservação de ruas e avenidas e sinalização.

É o mesmo que ocorreu com a CPMF, nos quase 20 anos de vigência. O imposto recolhido automaticamente de todas as transações financeiras deveria financiar os serviços de saúde. Mas, ao que se sabe, nunca foi para nenhum programa de saúde do governo federal, de Estados ou de municípios. Teve sua finalidade desviada para cobrir os rombos de caixa. E, assim, viu-se a saúde pública  deteriorar-se .  Hoje é um dos serviços públicos mais debilitados em todo o País. O pato também está aí.

Por último, desanima mais o contribuinte a seguir recolhendo impostos quando vê, com frequência, notícias de desvios, propina, corrupção e até impunidade de políticos, gestores de grandes empresas públicas e empresários malandros. Este é, possivelmente, o maior pato de todos.

A finalidade da campanha, contudo, não parece ser de agir politicamente contra um ou mais governos, ou todos. É evitar que o País sofra com mais uma elevação da carga tributária e, assim, sacrifique empregos, investimentos.