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Opinião

Governantes e a palavra empenhada

Minha geração foi educada sob a influência dos “contos das mil e uma noites” e a consagração solene da fórmula ética de que “palavra de rei não volta atrás”. Assim fomos civilizados e muitos conseguiram o milagre de manter pela vida afora a força do aforismo moral de tanta significação. Com o avanço do modernismo, a revogação de princípios e conceitos em nome de um progressismo desvairado, houve natural afrouxamento moral e a quase invencível decadência dos critérios que, pelo tempo afora, criaram em torno dos valores axiomáticos e as luminosidades das verdades, consolidando-as tão eternas quanto as verdades matemáticas. Hoje em dia, a palavra de políticos, homens de governo, como diz o caboclo, é “como risco de cobra n’água”. Sobretudo depois que governantes estabeleceram uma espécie de censura sobre os meios de comunicação pela via da publicidade indecorosa, que impede o semear de críticas e por outro lado promove o endeusamento do titular do governo. Um processo perverso e grotesco, feito à custa dos tributos pagos pela população para fazer crer na infalibilidade do chefe, atribuindo-lhe virtudes e qualificações que estão distante da realidade. Em sua cínica e sinistra teoria  política, que ensejou os piores regimes em todos os tempos, Maquiavel assinalava que nunca faltarão razões de Estado para o príncipe descumprir a palavra. O cinismo do condestável dos Médici ganhou prosélitos por todo o mundo. Dele fizeram uso Hitler, Mussolini, Stalin e outros déspotas, esclarecidos ou não, para implantar regimes de terror e se manterem no poder. Se esta contrafação fosse plenamente válida, George Bernanos jamais teria dito que a “democracia é de essência evangélica”, quer dizer, está assentada sob o primado de princípios e valores que a aproximam da verdade. Em regime democrático é dever primeiro do governante cumprir a palavra, sem titubeação. Este é postulado ético fundamental, pelo que exige dele cuidados no falar e no dizer para não transformar a palavra em algo oco, sonoro e vazio. Infelizmente, no mundo atual assim têm sido os discursos e as palavras dos governantes, moços ou velhos, ambiciosos ou não. O leitor deve estar pensando na grande dose de ingenuidade contida nestas palavras. É que os arranhões à ética e à moral estão se sucedendo com tal volume e velocidade, que o crédito dos homens públicos praticamente não mais existe. Minha geração não se acostuma nem se acostumará a isto e reprova a facilidade e o desamor com que o governante desrespeita sua própria palavra assumida em solene compromisso, em certos casos verdadeiro rompimento com a tradição avoenga e paterna e notório sintoma de falta de gravidade para o exercício de importantes funções. No outono de longa vida pública, a memória me coloca diante de figuras que respeitaram apaixonadamente estes limites éticos. Há ainda neste cenário penumbroso e carregado de dúvidas homens sérios e de palavra firme. Mas estão acanhados diante da maré montante da mentira e do embuste. 

Murilo Badaró é presidente da Academia Mineira de Letras