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Homem público não tem sigilo

Como advogado, não me compete criticar uma decisão judicial que não me afeta. Especialmente, se houver outros advogados envolvidos. Normalmente, o Judiciário aplica uma norma legal a um caso prático, sendo esse o seu trabalho principal.
Para esse mister, o juiz analisa o caso concreto, busca uma norma que se aplique ao mesmo e dá a decisão.
Até aí, o ato de julgar não envolve grande complexidade. Esta surge apenas quando não existe um caso concreto, mas uma tese jurídica. Aí, nem sempre, advogados, promotores e juízes agem com acerto, sujeitos à própria condição humana.
Quando se trata de interpretação equivocada, em que um juiz enuncia uma tese, e quando estou envolvido como cidadão, o comentário não viola nenhum dispositivo legal.
Antes, longe de pretender ser a versão final e perfeita, a minha interpretação sobre a decisão e sobre a causa em questão ajuda a lançar luzes sobre esse assunto e permitir o debate que a todos interessa.
Falo da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em ação proposta pelo militar aposentado José Magalhães Filho, pedindo informações sobre os vencimentos dos deputados estaduais.
Segundo o Tribunal a pretensão foi negada porque esbarra em "direito individual da pessoa", no caso, o deputado estadual.
A tese é: o cidadão tem direito a saber o vencimento do deputado? A interpretação do Tribunal foi equivocada por que desvirtuou a tese principal, transformando-a em “deputado tem direito a sigilo de seus vencimentos”. Aí errou feio.
Ao tratar os vencimentos como salários, estes sim, protegidos com o sigilo, o Tribunal se esqueceu de que entre patrão e empregado não há sigilo! Tanto o patrão, que os paga, como o empregado, que os recebe, sabe de quanto se está falando. Nunca houve dissídio, demanda, questão sobre esse fato: o sigilo é em relação a terceiros. Ora, o contribuinte não é terceiro em relação ao homem público chamado deputado e sim, patrão, pagador, custeador de seus vencimentos.
É direito seu, sim, saber quanto de seus tributos está sendo pago ao servidor deputado. Salário não é, protegido não é.
Se algum sigilo existe, admito-o no que o deputado faz com seus vencimentos após recebê-los, se os gasta em viagens, moteis ou em causas menos nobres, isso, realmente, não interessa a ninguém.
O patrão, o povo, ali representado pelo solitário
demandante, com quem me solidarizo, pode e deve saber quanto paga ao servidor. Homem público não tem direito a sigilo quanto a essa
informação. Ponto final. Se quer ser homem privado, que largue o mandato.
O que me incomoda, ou seja, o que não sai de meu subconsciente é a impressão de que os juízes estão protegendo o próprio sigilo, como me lembrou uma adolescente há dias. Vale dizer: se liberarmos os vencimentos dos deputados não poderemos proteger os nossos…
Não tenho certeza disso e, portanto, afirmá-lo seria apenas uma ilação. Como cidadão, patrão dos deputados, entendo que a interpretação do TJMS foi lamentavelmente equivocada e poderia ser evitada com um pouco mais de reflexão sobre o que é salário e o que é vencimento.

João Campos é advogado especialista em Direito do Consumidor