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Morte no Trânsito e Tribunal do Júri

É verdade que essa discussão tem como origem remota a punição insuficiente para crimes graves, lesões e morte por atropelamento, pela Lei de Trânsito, delitos culposos, previstos nos arts. 302 e 303. As penas são pequenas, o que gera essa busca de socorro do dolo eventual, para aplicar uma punição mais adequada. 

Digamos que em um caso concreto houve direção na contramão, embriaguez e velocidade excessiva. O que se deve indagar é se esses elementos autorizam ou não uma pronúncia num crime de homicídio por dolo eventual a ser submetido ao Tribunal do Júri. 


Para os Tribunais Superiores, entende-se que não é necessária prova do elemento subjetivo, do dolo eventual, da assunção do risco de morte. Porque não basta dizer que assumiu o risco de morte, pois qualquer um que dirige veículo assume o risco de matar alguém. É aquela assunção do risco qualificado, em que o agente assume o risco admitindo o resultado morte, por que, do contrário, estaríamos admitindo que quem sai para dirigir, assumindo o risco de matar, estria assumindo o risco de sua própria morte. 


Embora exista entendimento de que aquele que dirige em alta velocidade assume o risco de produzir o resultado morte, agindo com dolo eventual, tal entendimento não pode ser generalizado, na medida em que inexiste prova da vontade dirigida do motorista para o resultado alcançado. Como sabido, enquanto o dolo eventual o agente assume o risco de produzir o resultado, tolerando e admitindo o resultado lesivo, na culpa consciente, o agente prevê o resultado diante de uma prática arriscada, mas levianamente descarta a possibilidade de sua ocorrência, donde concluir-se que em ambos os casos ocorre à previsibilidade do resultado. Todavia, no primeiro o agente aquiesce ao resultado lesivo, e no segundo não há qualquer aquiescência.


Essa é uma ponderação que devemos fazer, já que hoje a maioria dos acidentes de Trânsito estão sendo tratados como dolo eventual, para que possa ser decidido pelo Tribunal do Júri, ficando esquecido na maioria das vezes o papel principal deste Tribunal, que é Julgar os Crimes dolosos contra a vida, e não decidir costumeiramente sobre dolo eventual e culpa consciente.


Em voto recente da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi ponderado que se é certo que na fase de pronúncia o juiz não adentra no juízo da causa, averiguando e aprofundando se no exame do mérito da acusação, também é correto que tal juízo de aceitação não pode subtrair porque, de mera probabilidade, um mínimo de correlação com as provas dos autos, porquanto, oportuno ressaltar, o seu vigor guarda correspondência com a justa causa penal, exigência de amplitude do direito fundamental do cidadão. Pode-se afirmar, portanto, que o juízo de pronúncia comporta valoração atinente à admissibilidade do fato delituoso e suas circunstâncias sem intrometer-se no âmago de sua concreta realização, o que não significa uma mera análise probabilística. É indispensável que a decisão de admissibilidade do julgamento pelo Tribunal do Júri realize uma correlação lógica dos elementos indiciários com que se pontuou na peça acusatória, de modo a verificar a lisura da imputação delitiva.


Aproveitando o magistério doutrinário, cumpre asseverar que a pronúncia não manifesta procedência da pretensão punitiva, mas apenas viabiliza a competência do Tribunal do Júri para, diante de elementos probatórios, julgar o réu culpado ou inocente quanto o crime a ele imputado, ou mesmo submetê-lo a uma outra ordem de imputação. 
Apesar de vertentes contrárias, num Estado verdadeiramente Democrático de Direito, garantias e direitos individuais devem ser salvaguardados em toda e qualquer fase ou decisão judicial.

* Thiago Guerra é advogado