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Multirregulação e avaliação de sistema: interpelando a qualidade da educação escolar

O termo qualidade por ser uma expressão complexa, polissêmica e, muitas vezes, subjetiva não significa a impossibilidade de defini-la. Assim, não é de se estranhar que, no campo educacional, o conceito de qualidade tenha assumido diversas concepções associadas ao pensamento neoliberal, objetivando o redimensionamento do papel do Estado na educação pública. Em favor desse ponto de vista, a Lei nº 9394 de 1996 determina a necessidade de assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar objetivando a definição de prioridades e melhoria de qualidade do ensino.

Nesse sentido, compreende-se que a avaliação de sistema, um dos níveis da avaliação educacional tornou-se um instrumento de regulação do Estado com vistas ao desenvolvimento de políticas educacionais para a melhoria da qualidade da educação brasileira. Em certa medida são perceptíveis que, as múltiplas arenas de regulação das políticas educativas (internacional, nacional, regional e municipal) têm produzido ações multirreguladoras no contexto escolar, a partir dos resultados dessa avaliação de forma assegurar o papel do poder central para recolher, processar e publicizar informações sobre o desempenho dos alunos para a fomentação de políticas de educação. 


Também conhecida por avaliação externa pela forma como chega até a escola – elaborada pelos órgãos centrais dos sistemas de ensino MEC e Inep(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e Secretarias de educação. Das avaliações de instância nacional como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb, Prova Brasil, Provinha Brasil, Exame Nacional do Ensino Médio-Enem e as de instâncias estadual e municipal, que agregados ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica- Ideb, criado pelo Inep em 2007, definem objetivos para o País, para o sistema de ensino e para a escola, de modo que, em 2021, possa atingir o nível educacional dos países desenvolvidos. 


Já a avaliação comparada como a do PISA (Programa Internacional para Avaliação de Estudantes), de dimensão internacional (do inglês Programme for International Student Assessment),coordenado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e, no Brasil sob a responsabilidade do Inep predomina uma razão pragmática na construção de indicadores para a decisão política orientada pela crença na educação, como fator de modernização. 


É bom lembrar, que os resultados dessas avaliações são geradores de planos, programas, projetos sociais, financeiros e educacionais e, grande parte do que sabemos desse processo está relacionada à publicização de resultados e meritocratização da escola. Nesse aspecto, as “evidências” permitem interpelar a qualidade da escolarização, do trabalho docente, da gestão escolar e das relações economia e sociedade, sobretudo, o cumprimento da finalidade de cada procedimento avaliativo. 


Cumpre destacar ainda, que, embora os patamares de permanência e rendimento do aluno no sistema de ensino tenham sido ampliados, ainda assim, é possível encontrar aluno que passa nove anos em uma escola e ao final desse período, não é capaz de demonstrar padrões mínimos de aprendizado. Para enfrentar os desafios pautados, é preciso priorizar resultados não apenas por nivelamento entre escolas, mas pela qualidade dos “processos” para se chegarem a estes resultados, ou seja, recursos financeiros, infra-estrutura, bibliotecas, rotatividade de professores, formação continuada, etc.


Quem acompanha o trabalho nas escolas, em pesquisas longitudinais, sabe que o poder local exercido pela gestão da escola é o diferencial para a concretização das finalidades das avaliações de sistema tendo em vista a uma variedade de interpretações e análises a partir da publicação e materialização de seus resultados como indicadores da eficiência da unidade escolar em particular, e do sistema educacional como um todo.


A esse cenário acrescenta-se a necessária democratização da gestão escolar em organizar momentos com todos os seguimentos da escola para a definição de qualidade do processo ensino e aprendizagem referente à quantidade expressiva de resultados avaliativos, que chegam até a escola. Esse entendimento passa pelo planejamento da avaliação amplamente difundida como aquela, cujo resultado seja o aprendizado por parte do aluno. 


Precisamos então, do conhecimento teórico e prático de avaliação e das medidas de comparação e nivelamento em larga escala, ou seja, conhecer não apenas os resultados, mas o processo e sua materialização na escola. Para tanto, precisaríamos ter uma definição de qualidade que permita responder – que indicadores seriam necessários para que a concepção de qualidade corresponda à concepção de educação prevista no projeto político-pedagógico da escola? 


A resposta, a nosso ver, envolve uma discussão epistemológica complexa, pois se pode argumentar que a qualidade de que precisamos não pode ser medida. Esse é um argumento defensável. Entretanto, se o aceitarmos estaremos renunciando à ideia de que, um processo de multirregulação que priorize a qualidade da educação básica tem a função de mobilizar, estruturar e divulgar modelos para a compreensão da realidade local. Nestes termos, a avaliação de sistema torna-se um instrumento de diagnóstico da aprendizagem dos alunos, de orientações à escola, aos professores, aos pais e, em nível mais amplo às políticas de educação.

*Rozemeiry dos Santos Marques Moreira e Lucrécia Stringhetta Mello são professoras da UFMS, campus de Três Lagoas