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Impressiona-me a precisão: nos tiroteios de filmes de ação, nos ensaios com cavalos que atravessam barreiras, nos chutes a gol que surpreendem qualquer fanático, nas danças e vídeo-cassetadas que têm alegrado e colorido os programas dominicais de televisão, nos passos do Michael Jackson, e até nas respostas que alguns interlocutores dão a perguntas difíceis a ponto de concluir categoricamente a conversa.
O certeiro tira a monotonia do acontecimento e da conversa. Para comentar um assunto atual, que mexe com a precisão dos cálculos, até no regulamento de gorjeta em bares, hotéis e restaurantes o tal do acerto aparece. Aprovou-se, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de Deputados, projeto de lei neste sentido, que só aguarda apreciação pelo Senado. O tema é oportuno.
Temia-se que o dinheiro arrecadado quase compulsoriamente através dos 10% não se dividisse devidamente entre os trabalhadores do estabelecimento, como copeiro, cozinheiro, faxineiro e garçom. Nestas novas condições, passa-se a registrar o salário mais a gorjeta na carteira de trabalho e o responsável tem o dever de repassar 20% da gorjeta a obrigações sociais dos trabalhadores e 80% para estes.
Já era hora de um tiro certeiro numa situação de dois extremos: um é o de o consumidor dar a gorjeta diretamente ao trabalhador, enquanto o outro e mais comum é o de a taxa vir incluída na conta e a responsabilidade de repasse ficar com o patrão. Embora eu não acredite que esta questão vá dar muito o que falar, pequenos temas sempre conduzem a problemas maiores.
Tenho desconfianças, porém, do excesso de regulamentações nas leis trabalhistas brasileiras. Parece-me que, embora as propostas sejam boas, aumenta a insegurança dos empregadores com relação a se devem ou não contratar porque os encargos estão cada vez mais altos e exigentes. Em tempos de crise e desemprego, pensa-se mais de duas vezes antes de disparar o tiro certeiro e tomar decisões.
Noutro contexto de precisão e sem que ele se preocupasse com gorjetas, lembro-me do vendedor de frios num supermercado. Ficou na memória a sua habilidade de ser certeiro. Cada dia que eu lhe pedia alguma quantidade de mussarela ou presunto, o vendedor retirava a peça do congelador, fatiava taciturnamente e atirava tudo de uma vez na balança com a medida exata do que eu pedia. 200, 250, 300 gramas: na mosca.
O vendedor de frios sempre acertava.
Não deu outra. Um dia o desafiei. Estava achando demais da conta. Não sei se ele esperava esta atitude, mas estava bem preparado. Cheguei no balcão e falei: “Quero 223g de mussarela”. Achei que ele fosse sorrir, pelo menos. Ninguém pede assim. Não falou nada, baixou, retirou o produto do congelador, olhou-me com seriedade. Enquanto fatiava, olhou-me novamente com aquele ar de quem aceitou o desafio.
Gelei.
Finalmente, jogou todas as fatias de uma vez na balança com a habilidade de um grande pizzaiolo. Deu 223g. Fiquei perplexo. Na sua expressão, lia-se: “E aí, vai encarar?”.

Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais.