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Opinião

O bobo do rei

Na Idade Média existia nas cortes um personagem singular. Era o bobo do rei, o único dentre os cortesãos que não podia ser preso pelo que dissesse, nem muito menos enforcado pelo que fizesse. Gozava anistia prévia, de perdão antecipado e da admiração dos soberanos. Que viam no seu atrevimento, na sua candura e franqueza, combinados com humor e inteligência, uma oportunidade de terem acesso bem informado à verdade dos fatos qualquer que ela fosse, doesse a quem doesse.
Coisas como essas: a rainha está "pulando o muro" com seu cavalariço, o jovem príncipe há muito que se sabe idiota e, pior ainda, o Lorde Chancelor é, definitivamente, um bom de um ladrão! Tudo isso tratado com humor e deboche, envolvendo a verdade com o engraçado e disfarçado véu da anedota e da gaiatice.
Alguns desses "bobos" até ficaram célebres e assumiram posição destacada nas cortes, pelo fácil acesso ao rei e, também, pela sensatez e sabedoria do que diziam e faziam. Tornaram-se eminências pardas no reino, aquele aos quais se pedia um favor, uma benesse, uma vantagem qualquer, uma recomendação valiosa junto ao soberano, aproveitando do seu acesso privilegiado, rápido e direto às hierarquias . Mas, principal, nenhum que se saiba, jamais pagou com a vida pelas suas imprudências . Bem ao contrário, foram até imortalizados através da paleta de gênios como Velasquez e Brueghel, entre outros, ou lembrados pelos seus ditos, como o de Dom Bibas, célebre bobo da corte de D. Henrique, o Justo, que afirmava: "Não há machado que corte a raiz do pensamento! ".
Ora, nós Consultores de Organização, temos um pouco muito desses "bobos" e lembramos sua postura e ação. Em primeiro lugar, sendo um "outsider", não comprometido com as estruturas da empresa, podemos nos dar ao luxo de colocar, emitir e enfatizar opiniões com desenvoltura e independência. Mais que isso, não envolvidos diretamente na execução, nos procedimentos e efeitos da operação, podemos examinar a realidade, procurando diagnóstico e recomendação originais, criativos e nada ortodoxos.
Ou seja, como um "bobo" nós também podemos "ver" e "falar" diferente (ou até sermos obrigados a isso…), contrariando tradições, condicionamentos e o "status-quo" reinante, denunciando e contrariando , inclusive, aqueles que se beneficiam com situações perversas e ineficientes. Esses que criam um círculo de silêncio em torno do "chefe", sonegando e distorcendo a realidade. Com isso, só nos falta, por vezes, uma pitada de humor, mas isso nós podemos até adquirir, com tempo e disposição.
E como seria valioso revivermos o passado, reinstalando bobo da corte junto à Direção das empresas e até a todo poder institucionalizado, aos governantes e aos políticos em geral… Que pelo seu comportamento fazem lembrar, a todo momento, o comentário de Machado de Assis, que assegurava: " quando se dá poder às almas subalternas ele geralmente se traduz em soberba, prepotência ,burrice ou corrupção!
Assim, quem sabe se deva oferecer um outro curso – assemelhado ao nossos de Capacitação em Consultoria e de Coaching – um que, menos pomposo e menos "acaciano", ensinasse, no entanto, sermos mais "bobos do rei", divertidos, porém sábios, revitalizando a tradição e garantindo aos contratantes um aconselhamento original e até extravagante- nem por isso menos eficaz!

Paulo Jacobsen é professor e consultor do Instituto Brasileiro de Consultores de Organização (IBCO)