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O Brasil é um país sério?

Em todos os países acontecem coisas bizarras (e eu curto muito quando cada um ri das suas próprias bizarrices). Mas no Brasil erramos até mesmo a autoria da famosa frase que diz que “Le Brésil n’est pas un pays serioux”.  A atribuímos a Charles de Gaulle, quando o certo seria a Carlos Alves de Souza e Filho (que foi embaixador do Brasil na França).

O “filósofo” Tim Maia (que nas horas vagas cantava coisas incríveis e inesquecíveis) dizia que aqui “prostituta se apaixona pelo amante, cafetão tem ciúme de prostituta, traficante se vicia e pobre é de direita”. Nossas incongruências (ao lado de tantas virtudes, claro) não param, no entanto, por aí. Em São Paulo, um assaltante emocionado e assustado morreu enquanto roubava um posto de gasolina. Homofóbico cuida dos direitos humanos das minorias, desmatador zela pelo meio ambiente, condenados vigiam a Justiça e acusado de suborno cuida de Comissão de Finanças da Câmara. 


Preso de confiança toma conta de delegacia, parlamentar é “julgado” pela Comissão de Ética da Câmara ou do Senado, fechamos escolas e construímos muitos presídios e os réus são colaboradores da Justiça; médicos, que deviam curar, matam pacientes para abrir vagas em hospitais e a magistratura admite que é só 70% ética (30% de patrocínio pode), como se fosse possível falar em virgindade parcial; virgem é dona de cabaré, policial vende cocaína para traficante, músico bota fogo em boate e atropelador joga o braço de atropelado nos esgotos.


Aluno passa na prova de ética colando, professor de ética faz apologia da traição e confunde-se ética com estética; políticos há 50 anos no poder falam da necessidade de peridiocidade dos mandatos, a honestidade gera vergonha (Rui Barbosa), e ainda há gente escolhendo o caminho do crime, quando há tantas maneiras legais de ser desonesto (Al Capone). Quem se vende vale mais, imorais dão lição de moralidade (K. Marx) e tudo que é rigorosamente proibido resulta ligeiramente permitido (Roberto Campos). A Justiça é cega, mas permite que todo mundo seja interceptado; o país é grande, mas falta espaço para o pequeno (na saúde, na Justiça, nas escolas etc.). 


Também no Brasil é possível riqueza sem trabalho, prazer sem escrúpulos, conhecimento sem sabedoria, comércio sem moral, política sem ideal, religião sem sacrifício e ciência sem humanidade (Gandhi). Nas concorrências públicas muita gente não concorre coisa nenhuma e todo cidadão é culpado, até que prove ser influente. Na prisão não há espaço, mas todos os dias centenas de pessoas são mandadas para lá. 


O crime organizado comanda os presídios e determinados políticos (já condenados pelos colegas ou pelo STF) aprovam leis dizendo “não roubem” (por medo da concorrência). Encontramos políticos honestos quando vemos que os comprados (para uma reeleição ou para a governança) permanecem comprados para sempre (não traindo o combinado). Para alguns governantes (os condenados pela Justiça, os de ficha-suja) não podemos nunca dar a chave da cidade, sim, devemos trocar as fechaduras. Não há como não ver o Brasil, em alguns momentos, de ponta-cabeça. 

*Luiz Flávio Gomes é jurista