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Operação candango da PM: discriminação de operários

Na segunda quinzena de outubro a Polícia Militar de Selvíria-MS deflagrou uma operação de combate a criminalidade denominada oficialmente de “Operação Candango”. Esse termo é carregado de história que vale retomar para entendermos o objetivo da operação da PM de Mato Grosso do Sul.
“Candango” surge no período da colonização portuguesa, na África e América, como derivação do africano “candanje” que indicava o português, portanto o outro, aquele de fora. Neste sentido, uma denominação pejorativa. Quando da construção da cidade de Brasília, na década de 1950, o termo “candango” foi aplicado para denominar os operários migrantes, em sua maioria nordestino, que chegavam no Planalto Central para construção da capital federal. De um termo pejorativo, ganha uma tonalidade positiva ao ser aplicado como gentílico do habitante de Brasília. É um gentílico popular, pois o oficial é brasiliense.
Partindo desta definição, vejo com muita preocupação um órgão oficial de segurança pública nomear uma operação de combate à criminalidade de “Operação Candango”. Por que o uso dessa  denominação?  Quem são os candangos  em Selvíria?
Os primeiros resultados da operação, divulgado pela imprensa, dão conta de cinco diligências que resultaram em prisões, sendo que apenas uma faz referência direta aos operários imigrantes da construção da fábrica de papel Eldorado.
Se olharmos atentamente as páginas policiais perceberemos que, geralmente, os operários imigrantes não aparecem envolvidos em crimes. Neste entendimento não consideramos crime, logicamente, a greve e outras formas de mobilização coletiva que muitas vezes são noticiadas em páginas policiais. Portanto, não há uma relação direta entre a chegada de trabalhadores imigrantes e o aumento da criminalidade. Todavia, a operação ao usar o termo ”candango” estabelece deliberadamente a relação entre repressão e migrante, mesmo que na prática a operação recaia sobre todos os trabalhadores.
O problema deste tipo de operação policial é que  a justificativa  já denota a discriminação ao trabalhador nordestino: “Preliminarmente a operação está sendo denominada de Operação Candango, considerando que se projeta a chegada de mais de mil homens para se alojarem na cidade, onde foi construído um alojamento para mais de setecentas pessoas, além da existência de outros locais destinados para tal finalidade.”, conforme nota dos órgãos de segurança.
O xenofobismo (sentimento de repulsa ao estrangeiro, ao outro), ao ser alimentado por órgãos governamentais corre o sério risco de se tornar uma política de Estado. Diversas nações européias passam por esse problema, especialmente em momentos de crise econômica, como a que se vive atualmente. Enquanto há mais vagas de emprego do que mão de obra local, os imigrantes são bem vindos. Basta um primeiro sinal de redução de emprego que os governos passam a culpar os imigrantes. Isso se dá na Europa e América do Norte, mas pode, também, ser reproduzido em nossas cidades que, por enquanto, necessitam do trabalho imigrante.
A discriminação ao nordestino nas cidades impactadas por grandes obras, como a região do Bolsão, parece estar se generalizando. Mais um exemplo vem da denúncia dos próprios operários da construção de uma siderúrgica em Três Lagoas que entraram em greve em vista dos baixos salários, das condições da alimentação e da discriminação com que são tratados por parte dos chefes da obra e dos vigilantes. Os depoimentos, noticiados na imprensa neste dia 4 de novembro, denunciam os xingamentos e ofensas diretas.
As próprias condições com que são arregimentados esses trabalhadores, com promessas de ganhos e condições de trabalho que não se concretizam, já denotam a discriminação. Ao chegarem aqui ainda enfrentam a humilhação institucionalizada pelo Estado e pela empresa.
Este é um caso típico de discriminação que favorece ao empregador: acusa o migrante de preguiçoso, de mal trabalhador, para justificar o baixo salário. Isso parece acontecer, também, em relação aos trabalhadores sul-matogrossenses nas indústrias de Três Lagoas: acusados de não se adaptarem ao ritmo da indústria moderna. Portanto, essa é uma “roupa” que dependendo das circunstâncias serve a todos os trabalhadores, logo o problema não é ser “forasteiro”, mas, sim, desprovido na terra dos donos do capital. Mas, claro, a dominação toma contornos mais ideológicos quando dirigida ao estranho – aquele que vem de longe.
Se a discriminação é um mal em qualquer sociedade, torna-se ainda mais incoerente em uma sociedade como a brasileira, formada por diversas nacionalidades. No caso de Mato Grosso do Sul a contradição é gritante, pois trata-se de um Estado constituído por migrantes também advindos do nordeste, que adentraram o território a partir do Triângulo Mineiro ainda no século XIX, além de outros estados  do sul e sudeste, e estrangeiros da América Latina, África, Ásia, Oriente Médio e Europa. Não existe purismo cultural.
Diante disso, cabe à Polícia de Mato Grosso do Sul se retratar perante a população. Os órgãos de defesa dos Direitos Humanos e a Promotoria do Trabalho devem estar atentos a essas artimanhas do desrespeito a pessoa humana. A truculência policial não pode ser encarada como um mal necessário ao desenvolvimento industrial.    
       
Vitor Wagner Neto de Oliveira é professor doutor do curso de História da UFMS/CPTL